quarta-feira, 9 de março de 2011

Lição: Fast-Dungeons

Olá, classe! E aí, ainda com ressaca do carnaval? Então, tomem um café forte, um banho frio e vamos a lição de hoje! É hora de chutar a porta da masmorra! Aventuras com masmorras são simplórias? Não necessariamente...
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Para os alunos mais atentos, na última lição pedi aos Mestres que convencessem seus Jogadores a lerem esse post... bom, confundi-me! Havia esquecido das masmorras, que ainda fazem parte dos artigos para Mestres. Se você é Jogador e está lendo, tudo bem. Não há nada secreto por aqui...

Dungeons, ou, masmorras, para nós, brasileiros. Não há jogo de Fantasia Medieval que não tenha alguma aventura envolvendo uma dungeon. Aliás, o próprio RPG surgiu com elas: não é a toa que o D&D chama-se Dungeons and Dragons... Mas, realmente precisamos de masmorras? Como construir uma masmorra bacana sem perder algumas horas? Masmorras em cenários modernos ou futuristas funcionam? Veremos!

Dungeons como conceito de aventura

Imaginem comigo uma típica aventura baseada em uma masmorra: temos um mapa numerado de um lado e anotações seguindo esses números do outro, correto? Em outros termos, temos um esquema com as salas, conforme sua disposição, e um detalhamento de cada sala em um texto maior. Por que não usar esse conceito com todas as aventuras?

Esqueça a aventura de masmorra e pense em uma aventura investigativa, tipo "Rastro de Cthulhu". Temos os personagens investigando algum mistério, para isso, eles correm atrás de pistas, interrogam pessoas, fazem pesquisas, análises e afins. Ora, o esquema é o mesmo! A única coisa que muda é o mapa: ao invés de desenhar um punhado de salas ligadas por corredores, crie um organograma, com a localização das informações, pistas e encontros, determinando qual o caminho que os Personagens deveriam fazer para resolver o mistério. Exemplos? Tudo bem, vamos lá:

Lembram de Vilanescus? Bom, vamos usá-lo novamente: o grupo de aventureiros chega na cidade e descobre que Godofredo, um soldado raso da milícia local, está condenado à morte por ter estuprado e assassinado uma jovem na última noite, em uma floresta nas fronteiras da cidade. Então, esse seria o "hall de entrada" de nossa "dungeon que não é dungeon". A partir daí, as possibilidades são muitas, mas já crie algumas: 1 - os Personagens acreditam que ele mereça a pena capital mesmo e pronto. 2 - eles decidem conversar com o infeliz. 3 - eles decidem investigar o local do crime. 4 - eles decidem encher a cara na taverna. 5 - eles decidem cantar a viúva. Haveriam muitas outras, mas vamos ficar com estas. Cada uma delas pode levar a um novo ponto: ao conversar com Godofredo, os Personagens poderiam descobrir que ele jura inocência e que isso foi tudo um golpe. Visitando a viúva, poderiam descobrir que ela, sabendo da morte do marido, decidiu mudar-se para Fruta que Caiu, um vilarejo próximo. Falando com Vilanescus, descobririam que ele está orgulhoso da prisão e que não restam dúvidas que o fato só abrilhanta sua última missão em Waisphuther antes de sua mudança para Fruta do Rio. Opa! Teria a mulher de Godofredo compactuado com Vilanescus?

Um modelo de fluxograma, ainda em ritmo de carnaval!

Vejam, esse é apenas um exemplo. Organize os fatos em possíveis lugares/pessoas a serem visitados, como uma masmorra com salas, e você facilitará muito sua vida, evitando "entregar o mandolate" antes da hora.

Dungeons or not dungeon? That is the question!

Há um preconceito bobo entre alguns Jogadores e Mestres: aventuras com masmorras sãos simplórias e "para iniciantes". Eu não vejo por esse lado. Se aplicarmos o conceito acima, veremos que a maior parte das aventuras segue um esquema semelhante ao de uma dungeon. Claro, você não precisa criar uma campanha igual ao Diablo I, em que os Personagens apenas vão aprofundando-se mais e mais em uma mega-dungeon (se bem que eu adoraria jogar uma dessas, quem sabe em Undermountain?), mas, aproveite as dungeons. Elas fornecem boas aventuras, armadilhas, tesouros e são bem fáceis de serem construídas (ao menos, em nossa imaginação...).

Não somos só nós, os blogueiros, que ficamos indecisos...

Erguendo sua dungeon


Não temos tempo a perde, certo? Então, esqueça o planejamento perfeitinho de sua dungeon: você precisa criá-la rápido! Possivelmente, você precisará deixar alguns pregos para bater durante a própria sessão! O primeiro passo é pegar uma folha de papel quadriculado, daí você não precisa de réguas e o desenho fica mais fácil e rápido de ser feito.

Futura Mestre de RPG elaborando uma dungeon

Quantas salas sua dungeon precisa? Bom, isso é bem variável: o covil daqueles orcs poderia ser uma ou duas salas e pronto, mas a fortaleza daquele exército rebelde certamente será muito maior. Definir o número de salas não é difícil, basta pensar no que seria necessário para aquele grupo manter-se naquele local: estoques de comida, armas, alojamentos, enfermaria, celas, laboratórios, etc. Pense rapidamente em algumas coisas necessárias, nada demorado. Se estiver em dúvida, lance 3d8 e pronto! Se você está criando uma aventura de "dungeon que não é dungeon", pense em quantas pistas quer fornecer e com quem/onde elas estão.

Já sabemos quantas salas precisamos? Ótimo, vamos ao desenho. Esqueça perfeccionismo: seus Jogadores dificilmente perceberão que sua masmorra está meio fora de escala. Isso não significa, óbvio, que você possa desenhar um punhado de quadrados, tente dar algum nexo para isso, rapaz! Pense também nos corredores, afinal, as pessoas precisam caminhar por algum lugar. Depois, defina um arquétipo para cada sala, tipo "alojamento", "cozinha", "cela", etc. Não esqueça de manter um pouco de lógica: a cozinha certamente ficará próxima do depósito de alimentos, por exemplo. Por fim, numere as salas.

Agora, o principal truque: na hora de escrever seu "roteiro", não perca tempo escrevendo tudo o que a sala tem... você não tem tempo, esqueceu? Escreva algo assim: "5 - Cozinha: dois orcs estão conversando, um corpo está no chão". Pronto! Afinal, você sabe como é uma cozinha, assim, na hora de descrever a sala para seus Jogadores, basta o que você já sabe sobre cozinhas e o que você acrescentou, tipo: "você aproxima-se da porta entreaberta e um cheiro azedo lhe atiça as narinas. A primeira coisa que você vê é uma mesa, com alguns recipientes em cima. No chão, há restos do que parece ser comida estragada, alguns vermes rastejam por cima disso. Aproximando-se um pouco mais, você avista uma mão humana. Ela está escura, com tons verdes e roxos. Súbito, você escuta uma voz sussurando em uma língua desconhecida. Por entre as frestas da porta você avista o que parece ser a cabeça de um orc, com um grande machado descansando em seu ombro". Você já penseou escrever tudo isso sobre cada sala? Além de ser um trabalhão, não fica nada legal ser um Jogador e ficar ouvindo seu Mestre "lendo" as informações. Olhe nos olhos deles! Eles precisam entrar no clima.

Ok. Já temos o esquema básico. Se você tiver tempo, um feriadão como esse último, e não tiver nada o que fazer, desenhe vários mapas antecipadamente, guardando-os para quando a necessidade surgir. É hora de escolher os encontros para nossos queridos Jogadores. Vamos dividi-los em quatro partes: inimigos, armadilhas, tesouros e enigmas.

Inimigos: faça uma lista do que poderia viver em sua masmorra. Se ela é um forte militar, não há porque colocar um basilisco correndo pelos corredores! Pense no clima da região, em quem comanda o local, se é uma ruína, enfim, pense em que tipo de inimigos seus Jogadores encontrariam na masmorra em questão.


Você não precisa de todos eles em uma mesma dungeon, certo?

Não faça o erro da "salada de monstros", colocando uma dúzia de monstros diferentes em um mesmo lugar. Isso dificilmente aconteceria e só amplia seu trabalho de pesquisa. Então, a menos que você decorou as estatísticas dos monstros e PdMs antecipadamente, escolha de três a seis tipos de criaturas que possuam algum motivo para estar vagando por ali e pronto. Quanto as estatísticas, trate todas as criaturas de um mesmo grupo igualmente, assim, não crie estatísticas para cada um dos dez goblins que vigiam a entrada: eles irão morrer muito antes rolar qualquer dado! Se seus Jogadores não se importarem, já role a Iniciativa antecipadamente, pois isso agiliza o combate.

Armadilhas: aqui é o ponto em que mais vejo problemas... os donos de masmorras dificilmente espalhariam armadilhas em corredores por onde costumam passar com frequência. Por mais que eles conheçam o local, não seria muito prático ter que ficar lembrando de gritar "Avaleska" toda vez que ele fosse ao banheiro...

Coloque as armadilhas em locais realmente importantes, como nos acessos a salas secretas, báus e depósitos de tesouros. A menos que você tenha um motivo muito bom, evite armadilhas pelos corredores e portas convencionais. Lembro de uma das raras vezes em que fui Jogador e decidi abrir uma porta, acionando uma armadilha que quase matou o grupo. Sabe o que havia lá dentro? Uma sala de estar, com poltronas e uma lareira... quem colocaria uma armadilha na própria sala? Eu revirei aquele aposento do avesso, até o Mestre irritado falar: "não há nada aqui! Olha, leia a aventura!". Não sem razão, perguntei: "e para que uma p&*$% de armadilha na porta?". Fiquei sem resposta, mas ainda acho que era para não ser perturbado durante alguma leitura...

Uma dica muito útil: combine com o grupo que você rolará as chances de encontrar armadilhas antecipadamente, durante a criação da aventura. Sabendo de antemão que determinado Personagem não encontrará a tal armadilha, você evita aqueles momentos imbecis do tipo: Jogador: "eu abro a porta"
Mestre: (rolando os dados) "tudo bem, você entra?"
Jogador: (desconfiado) "por que os dados?"
Mestre: "Ah, ergh, nada, nada... só para adiantar umas coisas aqui..."
Jogador: "Ah, bom. Eu entro."
Mestre: "RÁÁÁ! Você aciona uma armadilha e toma 5d6 de dano! Toma lazarento!"

Tesouros: depois de torturá-los com inimigos e armadilhas, nada mais justo do que presentear os Jogadores com tesouros. Criá-los não é difícil e "vai de cada um", como diria vovó. Eu, pessoalmente, adoro o aleatório, por isso, uso as tabelas de tesouro do Livro do Mestre sempre. Isso pode parecer sacanagem com os Jogadores: Ossur, nosso guerreiro lendário, possui os Talentos "Foco em Arma" e "Especialização em Arma", ambos para espada larga. Até hoje, ele só achou uma maça e uma espada longa mágicas... por que criar tesouros sobre medida? Isso não me parece nada verossímil. Claro que você precisa adaptar algumas coisas: lembro de um erro clássico em uma aventura de AD&D (acho que é aquela que vem no livro "Shadowdale", do Forgotten Realms) em que os Personagens encontravam um anel da natação no corpo de um afogado...

Você nunca estranhou como é rápido contar uma pilha de moedas como essa em RPG?

Um erro bem comum é colocar os tesouros junto com os inimigos mortos, a la "Diablo". Confesso que eu mesmo fazia isso, até que os Jogadores perguntaram: "quer dizer que esses goblins fracotes estavam carregando 2 mil peças de cobre nas mochilas?". O que fazer? Simples, determine o tesouro das criaturas, veja o que ele poderia estar carregando e ache um local em que eles guardavam o restante (as 2 mil Pcs, por exemplo). Outro erro ainda mais comum é não deixar os inimigos usarem seus itens mágicos: se o drow possui uma espada longa +2 em seu tesouro, por que não a usa no combate contra os PJs? Tome cuidado com isso.

Enigmas: enigmas são muito legais, pois fazem os Jogadores quebrarem a cuca sem ficar jogando dados. Enigmas podem ser desde as clássicas "pedras de encaixar nas portas" até uma figura sombria que faz charadas aos Personagens para abrir uma porta. Há uma porção de bons enigmas, fáceis de adaptar para qualquer aventura, pela internet, basta uma busca no Google.

Há apenas um cuidado importante: evite enigmas que tranquem o caminho ou que possam matar os Jogadores, a menos que você queira isso. Por exemplo, em uma outra vez como Jogador, lembro que o Mestre disse que havia uma inscrição na porta: "sou a coisa mais leve que existe, mas nem mesmo o mais forte guerreiro pode me segurar". A resposta é bastante simples, mas nós não entendemos muito bem a charada... sabem por quê? A sala estava cheia d'água e tinhamos pouco mais de um minuto para pensar... para não matar o grupo todo, o Mestre fez com que tivéssemos uma visão de um antigo amigo falecido, dizendo "a resposta é ar". Ou seja, um bom enigma perdido pela nossa ignorância. Enigmas são ótimos para salas com algum tesouro bacana, mas não fundamental para a conclusão da aventura. Se a porta para salvar a Princesa do Tamanco Manco possuir um enigma que o grupo não consiga resolver, é provável que eles a deixem lá, apodrecendo.

Então, moçada, era isso por hoje! Para sábado, vou tentar fazer a resenha sobre o Pathfinder. E podem chamar seus Jogadores para a lição da próxima quarta, essa sim, dedicada a eles. Um abraço e long live RPG!

Prof. AlessandroAlessandro é professor de Inglês, Espanhol, Português, Religião e Literatura devido à profissão. Cineasta, cientista, astrônomo (não astrólogo...), artista plástico, ator, músico, linguista, poliglota, crítico e escritor devido à paixão. Leitor, RPGista, nerd, cinéfilo, enólogo e ocultista devido à diversão. Maníaco por cultura devido a algum mal genético. Ah, e chato, por pura força de vontade.

8 comentários:

  1. Excelent post!

    Aproximar o conceito de aventura com a dungeon é uma grande abordagem, e simples!

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  2. Boa Fessor!
    Muito boa sua ideia da "Dungeon que não é dungeon", mas ainda prefiro a primeira técnica de aventura instantânea...
    Fluxograma muito engraçado xD!

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  3. Excelente, professor! As dungeons não dungeons foram uma ótima sacada, tanto que poderiam até ser tratadas em um post em separado.

    E no que diz respeito a desafios, acho que logo logo teremos o livro dos desafios por aí... aguardem!

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  4. Nem me fala de ressaca =| esse carnaval foi cruel.
    Valeu prof. tive mais umas idéias ao ler o seu post XD

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  5. Cara, morri de rir com o Waisphuther! Hahahaha!

    Ótimo post!

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  6. Gostei bastante das idéias sobre rolar as chances de encontrar armadilhas e iniciativa dos monstros antes do jogo começar.

    Ótima seqüência de posts, Professor; espero pela próxima aula! \o

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Mais um excelente post do professor Alessandro.
    Sempre gostei de aventuras em dungeons, sejam elas planejadas para aventuras ou rotineiras, tipo beira de estrada. Claro que hj em dia tenho todo um cuidado com dungeons, explicar o porque de elas existirem, o que fazem ali, se são ruinas o que foram antes. Outra coisa que sempre tive o maior cuidado também foi com tesouros. Se é a ruina de um antigo forte os tesouros provavelmente serão armas, possivelmente enferrujadas.
    Valeu pelas dicas mais uma vezs professor, principalmente em como descrever um mapa.

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