domingo, 8 de maio de 2011

Blogs e Blogueiros: Old Dragon - Neme e Neto

Gurizada medonha, o CR, do Masmorra de Bronze, me mandou um email dizendo que vai fechar seu blog por motivos pessoais, mas pediu-me que postasse aqui no Clérigo uma excelente entrevista que ele fez com os dois maiores nomes do RPG Old School Indie do país: Fabiano Neme e Antônio Sá, autores do Old Dragon. Sem mais, aí vai a entrevista na íntegra.

Queridos leitores, sem muita enrolação, digo que a Masmorra de Bronze, nesse exato momento, está fazendo história. Nós, desse humilde blog, orgulhosamente, apresentamos para vocês uma espetacular entrevista com Fabiano Neme e Antônio Sá, os dois grandes nomes por trás de um dos mais importantes pilares da revolução no RPG brasileiro: o Old Dragon!


Espero que gostem!

Masmorra de Bronze (MDBronze): Caras, primeiramente gostaria de dizer que é uma honra tê-los em meus domínios de bronze. E fico ainda mais contente por vocês não terem se perdido nos labirintos...

Fabiano Neme (FN): É um prazer.
Antônio Sá (AS): Pode contar conosco.

MDBronze: Obrigado, caras. Saibam que os portões da Masmorra estarão abertos para vocês a qualquer hora.

Bom, então vamos à entrevista? Ela será bem curtinha e objetivará apenas alimentar a curiosidade dos fãs a respeito dessas duas figuraças no cenário rpgístico brasileiro que vocês são. Beleza?

AS: Tranqüilo.
FN: Manda ver.

MDBronze: Bem, caras, contem pra gente, quando e como vocês começaram a jogar RPG?

FN: Eu comecei a jogar em 1994, com o Black Box do D&D, lançado no Brasil pela Grow. Eu meio que já sabia o que era RPG (não lembro como fiquei sabendo o que era o jogo, infelizmente), daí fui na finada Planeta Proibido aqui em Porto Alegre. Eu devia ter uns 14 anos na época. Eu tive duas alternativas: ou eu pegava um RPG que vinha em um livro branco, com uma cabeça rosa desenhada e com um nome que mais parecia uma onomatopeia ou um RPG que vinha numa baita caixa preta, com um baita dragão vermelho na capa, chamado Dungeons & Dragons. Nesse caso, acabei cedendo e comprei o livro, ou melhor, o jogo, pela capa. Não me arrependo até hoje
 
AS: Já eu comecei em 1989, com então 8 anos, na casa de um amigo da escola. Sempre aos sábados à tarde, com o irmão mais velho deste meu amigo mestrando a caixa vermelha do D&D de Portugal.
Depois de me mudar de São Paulo, perdi o contato com o jogo e só voltei a jogar esporadicamente em 1992 no Rio de Janeiro, na Tijuca, quando passava férias escolares na casa da minha avó.

MDBronze: Bacana. E desde então vocês têm preferido atuar mais como mestres ou atuar mais como jogadores?

AS: Mestrar é a experiência mais completa dentro do RPG. Só escrever sobre RPG pode ser mais difícil e mais recompensador que Mestrar!

FN: São experiências totalmente diferentes. Também prefiro mestrar, mas não abro mão de dar uma jogadinha de vez em quando.

MDBronze: Hmmm... e quais estilos vocês usam mais em suas campanhas? Por quê?

FN: Sword&Sorcery lovecraftiano. Eu gosto muito do gênero S&S, porque não existe a dicotomia entre bem e mal; ou, se ela existe, é muito mais sutil do que nos outros gêneros. S&S geralmente envolve um bando de FDP entrando na torre de um FDP maior ainda pra roubar um item mágico a mando de um terceiro FDP. E isso me agrada muito, hehehe.

AS: Eu tb gosto do S&S, principalmente por conta desta característica meio “Noir” do caráter dos jogadores. Mas me amarro num “capa e espada” também. Aliás acho que tirando o “High-High Fantasy”  (que eu realmente não gosto), jogaria de um tudo se tivesse tempo.

MDBronze: Rsrsrs, compartilho do mesmo gosto de vocês.

Bem, e para serem uma referência no RPG nacional, aposto que já experimentaram os mais variados tipos de sistemas disponíveis. Nesse caso, possuem favoritos?

AS: Favorito mesmo é o D&D. Não tem comparação. E quando falo em D&D falo em D&Ds like como o OD tb. Outra paixão de adolescência foi o Star Wars D6 da finada WEG. O SWD6 é a maior prova de competência de como moldar um sistema a um cenário e fazer a coisa ficar redonda e bem feita.  Mas já joguei de um tudo. De sistema famoso como o Storyteller ao saudoso (e bom pacas) como o Dungeoneer.

FN: Eu gosto de dizer que o D&D é a minha esposa, a quem amo muito. Mas tenho uma amante muito gostosa chamada Call of Cthulhu.

MDBronze: E, em virtude desse vasto conhecimento, possuem algum ídolo nesse meio? Gary Gygax e Dave Arneson não contam...

FN: Sou muito fã do Monte Cook. Gosto muito do trabalho dele na 3E e especialmente no Arcana Unearthed e no Ptolus. Gosto da forma como ele trata temas lovecraftianos no ambiente D&D. Inclusive tive a oportunidade de entrevistá-lo para o Vorpal. Ele é um cara muito legal e muito talentoso.

AS: Frank Mentzer, o responsável pela caixa vermelha do D&D. O Mentzer foi tão feliz em compilar e dar a sua "cara" a escrita do D&D, foi tão competente em traduzir a prosa gygaxiana dura, pra uma escrita direta e simples que o Mentzer é "O" cara pra mim.

MDBronze: Entendi. No futuro teremos novos autores citando vocês, também caras rsrs.

Agora, uma pergunta de fã: existe algum personagem ou momento inesquecível de suas vidas rpgísticas que foi realmente marcante? Se sim, poderiam nos contar, mesmo que resumidamente, quem ou como foi?

AS: Momentos inesquecíveis foram muitos. Praticamente todos oriundos do grupo de jogo mais regular e especial que eu tive quando morei no interior do estado do Rio, em Bom Jesus do Itabapoana entre 1994 e 1999. Personagens como Peter Talin, Rupert Kinin, Otto von Moebius e amigos pra uma vida toda foram feitas rolando dados nesta época. Impossível não se lembrar ao menos uma vez por dia.

FN: Bom, vou responder essa pergunta em duas partes. Primeiro vou falar de um personagem inesquecível. De todos os personagens que eu tive, o mais legal foi o Akodo Yamamura, um ronin em uma campanha de Oriental Adventures. Ele tinha uma personalidade muito marcante e teve uma saga muito interessante, caindo em desgraça para depois se redimir e seguir uma trilha muito particular do bushido. Sinto muita falta dele e da campanha em que ele foi jogado. Bons tempos, bons tempos. Já de momento inesquecível, com certeza foi a vez em que vi um guri com uma versão do fast play test do Old Dragon impressa no ônibus. Isso foi muito legal mesmo, porque era bem no início, uns 20 dias depois do lançamento da versão playtest do jogo e já tinha gente abraçando a causa. Me deu muito orgulho, muito orgulho mesmo.

MDBronze:  Caramba, realmente deve ter sido marcante. Aliás, acho que muitos leitores sentirão afinidades com essas histórias, pois, afinal, quem não teve um grupo marcante ou um personagem realmente especial?

AS: Pois é.
FN: Exato.

MDBronze: Mas mudando um pouco de assunto, gostaria de falar sobre essa sensação do mercado rpgístico brasileiro que revolucionou nossa maneira de jogar esse hobby tão divertido que é o RPG: o Old Dragon. "A idéia de criar o Old Dragon surgiu do descontentamento de vocês com os rumos que o RPG veio tomando nos últimos anos" (OD, Introdução, pág. 3), mas em que momento especificamente vocês resolveram dar azo a esse plano? O que rolou para que vocês finalmente dissessem "certo, agora vamos fazer um RPG"?

FN: Vou te dizer o momento exato em que vi que o meu caminho seria o do RPG old School. Em 2009, eu estava mestrando uma campanha da recém lançada 4E e estávamos estranhando bastante o sistema. Eu estava otimista ainda, queria dar uma chance pro jogo, afinal de contas era o D&D, né? Daí eu vi que a coisa não tinha mais jeito quando um dos jogadores falou exatamente essa frase: "Foda-se essa merda, vou fazer um ataque básico e deu!". Aí que a gente percebeu que o jogo que crescemos jogando não era mais o mesmo e não servia mais para nós. Daí me revoltei e escrevi o já clássico post "Por um D&D mais old school!". Daí o Antonio me procurou com a ideia do projeto e o resto é história.

AS: É isso aí! Só acho que o Neme se equivocou. O ano foi 2008. De resto, foi desse jeito mesmo.

MDBronze: E como vocês se conheceram?

FN: Eu participava das mesmas listas de RPG do Antonio, mas nunca dei muita bola. A gente era meio amigo, de um comentar no blog do outro e coisa e tal, mas a coisa parava por aí. Até que ele resolveu postar um comentário nesse meu post protesto falando da ideia do Old Dragon e a partir daí a coisa não parou mais.

MDBronze: E de que forma conheceram a Old School Renaissance?

AS: Um pouco antes de conhecer o Vorpal, ou de abrir meu primeiro blog, o PopDice, descobri meio que sem querer o Basic Fantasy. Baixei, li, adaptei pra minha campanha e, sem perceber, estava nascendo um jogador Old School. Só bem depois fui perceber que o Basic estava inserido num contexto muito maior, a chamada OSR.

FN: Já eu descobri através do Google mesmo. Depois de largar a campanha da 4E, iniciamos uma nova campanha da 3E, mas quis pesquisar mais, quis ir mais a fundo, até que descobri o "A quick primer for Old School gaming" (tradução: clique aqui), do Matt Finch e, a partir daí, descobri o Labyrinth Lord, Swords & Wizardry e toda a gama de retroclones que tem por aí.

MDBronze: Bacana. Bem, antes de seu lançamento, o Old Dragon chegou a ser rotulado como um RPG que visava agradar apenas os jogadores mais saudosistas do hobby. Contudo, com o tempo, vimos que ele foi bem aceito por todos, sendo, inclusive, adquirido por aqueles que nunca haviam jogado RPG de mesa na vida. Como vocês encaram isso? Apesar da óbvia resposta, vocês se arriscam a explicar esse “fenômeno”?

FN: Na verdade nós nunca tivemos essa intenção de limitar a audiência do Old Dragon aos saudosistas. A nossa intenção com o Old Dragon foi trazer pro povo que joga hoje essa nova (ou antiga) proposta que resgata as raízes do hobby. Mas quisemos abranger a todos, definitivamente. Apesar de ser um jogo complicado pra quem nunca jogou RPG antes (não no sentido de mecânica, mas no sentido de exigir um certo grau de Mestre-fu), ainda assim o Old Dragon foi voltado para todos aqueles que se interessam e/ou sentem vontade de jogar RPG.

AS: É isso aí! Mesmo não tendo como objetivo primário, eu ainda me espanto quando abro um email e descubro que um cara de 12, 14, 16 anos está perguntando ou agradecendo pelo jogo! Esse tipo de coisa faz tudo valer a pena.

MDBronze: Muitos dizem que o mercado rpgístico está em baixa, indo de mal a pior. Essa afirmação corresponde com a realidade? Ou o Old Dragon é uma exceção?

GenCon UK
AS: Eu sempre fui bem interessado nisso tudo. E mesmo um ou outro discordando do que eu vou dizer, acho que estamos num ponto de crescimento. Não sei até onde estamos indo, mas tenho certeza que o salto mais alto já passou e dificilmente vai ser alcançado novamente. O “boom” do RPG na primeira metade dos anos 90 foi o ponto mais alto que chegamos, e infelizmente acho que não veremos outro "boom" novamente. 

Depois disso tivemos períodos de alta e baixa em ciclos constantes. Isso é normal em qualquer mercado e não seria diferente no nosso. 

E por fim, o Old Dragon não é exceção não. Eu diria que ele é parte de algo legal que está acontecendo, que é a formação de pequenas editoras e estúdios para a publicação de jogos autorais.

FN: Já eu vou te frustrar muito com a minha resposta, mas vou ser sincero ao dizer que nunca dei bola para o mercado de RPG. O que me interessa é o Old Dragon, apenas. Se o resto vende bem, vende mal, jogam, não jogam, pouco me interessa. Sim, sou egoísta, sim, sou centrado no meu próprio umbigo, mas fazer o que, né?

MDBronze: Kkkk, tá certo. E, para finalizar, quais serão os próximos lançamentos desse fantástico sistema? Sabemos que o Bestiário (livro dos monstros) já está em andamento, com previsão para o RPGCon, mas existem outros projetos acontecendo paralelamente?

FN: Vou abrir parcialmente meu coração pra ti (é claro que não vou contar tuuuuuuuuuuuudo, mas vou abrir um monte de coisa que planejo para o Old Dragon). Mais grids, claro, mas apresentados de uma forma um tanto diferente. Vai ser uma coisa bem simples, mas acho que vai ser realmente muito, muito legal e que vai mudar alguns paradigmas que temos por aí. Teremos também o tomo de magia, que ainda estamos discutindo a forma de apresentação, se um livro só para arcanos e um para divinos, se um livro para os dois, se um livro para os dois, mas com duas frentes... tem o Legião, cenário do Antonio, eu tenho ainda a intenção de escrever tipo um guia do mestre, com dicas mais voltadas para o dungeon crawl... tem mais coisa, mas ainda estão em um formato muito primário na minha cabeça para sair falando.

MDBronze: Caraca, ouviram? Informações em primeira mão para nós da Masmorra de Bronze: além do Bestiário, existem projetos para um Tomo de Magia, que poderá vir numa diagramação completamente inovadora!

Aliás, damos total apoio a esse “Guia do Mestre”, caras.

AS: Opa!
FN: Obrigado. Mas vamos ver, vamos ver...

MDBronze: Bom, rapazes, é isso. A MDBronze agradece muito por tudo e deseja todo o sucesso do mundo para vocês dois, que gentilmente concederam essa breve entrevista para nós e nossos leitores.

Aliás, gostariam de deixar algum recado? O espaço está aberto para vocês.

FN: O prazer é todo meu, agradeço pelo espaço que tu está dando para o nosso jogo. O meu recado é bem simples: não tenham medo de desafiar o status quo. Não se acomodem, não fiquem satisfeitos com qualquer porcaria que colocarem na mesa de jogo de vocês. Não é porque todo mundo gosta de um jogo que ele é realmente bom. Isso vale pra tudo, para D&D, para GURPS, para Tormenta e especialmente para o Old Dragon. Busquem sempre mais, busquem o jogo de vocês. E nunca, nunca joguem RPG só por causa da diversão. Busquem sempre o desafio, a dificuldade, o estímulo da criatividade e do pensamento, pois é isso que fará com que realmente subam de nível.

AS: Só quero agradecer a força e a oportunidade de falar do Old Dragon e deixar bem claro que o importante é que você jogue o RPG que você quiser jogar. Seja ele novo, reeditado, retroprojetado ou com cheiro de naftalina. somos todos iguais! Roladores de dado por essência e natureza!

Obrigado!
o ClérigoSo long and thanks for all the fish!

5 comentários:

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