domingo, 26 de dezembro de 2010

Meditação: (Re-)Criando Mundos


Durante os últimos dias tenho meditado muito sobre posts que possam vir a ser de interesse comum tanto da HnI quanto do blog do Clérigo, ao qual venho colaborando de vez em quando com alguma idéia que outros teimam em chamar de boas. Bom, acho que esse é um assunto que tange os interesses comuns dos dois blogs.


Primeiramente, falar sobre "Criação de Mundos", no sentido de todo o cenário de fundo no qual uma narrativa de RPG se transcorre é algo que praticamente entrou em desuso. Pelo menos no sentido mais amplo da expressão. E isso não é nada ruim. Verdade seja dita, estamos repletos de cenários muito interessantes, de Eberron a Rokugan, e da época dourada de Rastro de Cthullu até os confins do Universo DC, verdade seja dita, nós RPGistas não temos o menor direito de reclamar do menu.

Mesmo assim, mesmo quando se dedica a um cenário pronto, algumas alterações podem ser feitas, o que abre a possibilidade de existência de versões infinitas de cada um desses "universos" propostos. Nesse caso, não se está criando propriamente, mas recriando algo para, possivelmente, atender a determinado objetivo. E é sobre isso que quero falar aqui nesse post.


Mestre de RPG: "Poderes Cósmicos! Semi-fenomenais!
Guardados em dadinhos desse tamaninho."

Em primeiro lugar, baseado na anteriormente citada abundância de cenários existentes e muito legais que existem (e existiram) por aí, por que criar um cenário novo? Vale se apoiar então na "lei áurea" do RPG: "Porque é mais divertido assim!". Porque talvez nenhum dos cenários existentes atenda em 100% as expectativas do narrador e dos jogadores. Talvez tenha um que realmente seja muito cativante, mas que possui um calcanhar de Aquiles perturbador. Aconteceu comigo em 7th Sea e imagino que seja muito comum também em outros RPG's. O cenário é muito legal, a idéia de capa e espada é muito divertida, as Nações são muito bem boladas, todas elas são muito legais. O sistema de Iniciativa é empolgante, o de dano é heróico! Mas chega na hora de juntar o grupo que toma o cuidado de escolher personagens um de canto de Théah e começam os problemas: Salvo em um dois casos, todas as Nações de Théah se odeiam. Daí pra isso transcorrer pros personagens e estarem uns nas gargantas dos outros de modo que nem Vampire conseguiria fazer mesmo com todas as suas tramóias e picuinhas, pouco custa. Os Montaigne se acham os maiorais de Théah, porque têm o Imperador. Que parece não mandar muita coisa fora de sua Nação. A Igreja vive caçando praticantes de feitiçaria, herdeiros de bruxos da Antigüidade e atuais nobres de quase todas as Nações. Resultado: Ou enfiar uma botina nas histórias de todos os jogadores para obrigarem-nos a trabalharem juntos, ou sair criando inúmeros núcleos narrativos desesperadoramente que em pouco tempo me causariam um tumor cerebral.


Sorte minha ser um conhecedor também do produto "primo" de 7th Sea: Legend of the Five Rings. Em Rokugan, também há essa discrepância de pontos de vista, interesses e picuinhas em níveis não raras vezes muito superiores aos de Théah. E o que impede que Rokugan se auto-destrua? A existência das Terras Sombrias como inimiga comum de todos os Clãs? Em parte. Mas acho que o que une todos os Clãs é o senso de que, por mais diversos que sejam, todos estão no mesmo Império, e servem ao Imperador. Se isso também ocorre em Théah, a impressão passou batida nos livros. Resultado: Intervenção Divina! (leia com eco!) O Narrador altera o cenário para fazer com que toda a Théah esteja subordinada legalmente ao Imperador de Montaigne, e ele atua com bondade, justiça, retidão e sabedoria, aumentando a sensação de união entre as Nações e diminuindo estranhezas. Não chegou a solucionar 100%, mas ajudou bastante.





Moral da história: Antes de (re)criar um cenário, pense primeiramente nos efeitos que suas alterações causarão. Para evitar o efeito "pilha de latinhas", onde uma mudança insignificante aqui acaba causando resultados desastrosos a longo prazo (a idéia é que aconteceria o mesmo de tirar uma lata de baixo do cenário, fazendo outras desmoronarem). Provavelmente todos nós infelizmente já vimos algo assim. Ver Lobisomem reduzido a uma pancadaria frenética e irracional, por exemplo, ou alguém tendo uma "idéia genial" para uma Classe/Raça/Classe de Prestígio/Talento novo muito legal para D&D que acaba causando um buraco negro na ambientação ou nas regras.


Melhor ainda: Pense ao contrário. Parta do efeito que se pretende causar, e a partir daí busque meios que o justifiquem. Athas (o mundo de Dark Sun) é conhecido primordialmente por nós como um deserto gigantesco. Tudo bem, até aí, Neves. Mas, faz alguma real diferença o mundo antes disso ter sido verdejante, cheio de florestas e oceanos com golfinhos? Até faria, mas não num nível primordialmente crucial. Ou seja, há uma história, um porquê de "Athas ser um deserto sem fim". Mesmo que não seja estupidamente necessário. O mesmo também se aplica a personagens. Tudo bem, seu personagem é um caçador de vampiros... Por quê? Porque ele achou um anúncio nos classificados procurando "caçadores de vampiros"? Não que essa idéia seja totalmente dispensável. Seria muito legal para um RPG de humor, e Ninja Burger não passa muito longe disso também.


"Ayo, amigos! Legal montar cavalo e tudo, mas...
Alguém lembra do pra que a gente faz isso?"

Ou seja, se seu cenário é de faroeste, como ele chegou até aqui? O que motivam os vilões e heróis de seu cenário (supondo que eles existam)? O que ele pretende trazer de novo, que nenhum outro cenário traz? Nisso, não precisamos de algo totalmente novo (há quem diga que isso nem sequer exista mais). Mas algo que seja pelo menos interessante de uma maneira nova, mesmo que trate de coisas previamente já abordadas por aí. Pensar nessas coisas "inversamente" permite que se chegue a um efeito pretendido sem muitas surpresas. Porque na verdade, nem se chega até ele. Parte-se dele. Porém, isso também é meio anti-criativo, pois o objetivo é chegar a uma conclusão planejada, e não "deixar as idéias soltas para ver aonde elas vão chegar".


"Que tipo de inimigo é mais interessante? Coelhos cuspidores de
acerolas ou orcs armadurados?"
Obviamente, pesar prós e contra neste ponto, quando se tem vários caminhos a um mesmo destino, é essencial. Quais meios seriam mais interessantes de se tomar para alcançar determinado efeito? Lembrando que esse efeito já foi escolhido lá trás. Hoje, temos a Internet e é fácil entrar em discussão com pessoas que podem dar toques muito legais à sua idéia original, e a partir daí, isso pode se tornar praticamente uma brainstorm coletiva.


Não que criações aleatórias não sejam legais, mas acho que é bem mais garantido e seguro uma viagem planejada. Não que rolar dados nas tabelas de criações de mundo de Traveler não seja divertido. Eu mesmo adorava ficar rolando dados para criar Onis aleatórios nas tabelas da 2ª edição de L5R.


Para evitar o efeito pilha de latas, após ter feito alguma mudança em seu cenário predileto, pare para pensar se essa mudança poderá trazer alguma modificação séria, pelo menos na fração do cenário que envolve o grupo. Afinal de contas, se absolutamente nada for mudar, então pra que essa mudança foi feita em primeiro lugar?


Gostaria de conseguir ser mais frutífero neste post, mas também tenho que reconhecer que muitos dos valores com os quais lido aqui são muito relativos e pessoais. Não há uma equação que determine precisamente que mudança ou alteração pode ser mais interessante, principalmente levando em considerações reações imprevisíveis de sujeitos humanos exponencialmente elevadas às suas combinações coletivas. Ou seja, isso varia de grupo para grupo. Além do que, o que soa interessante para uns, pode ser muito monótono para outros. Todo Narrador é a maior autoridade (ou pelo menos deveria ser) para saber o que o seu grupo gostaria ou não. Assim, o jeito é confiar no próprio taco e conferir seu toque criativo no que achar melhor.





 

O Efeito "E Se?"
Este é um passatempo narrativo bem divertido. Pegar um cenário propriamente dito, e alterar levemente sua história a partir de um único fato só para ver as conseqüências múltiplas do "Efeito Borboleta" resultante. Por exemplo, "Como seria a Liga da Justiça com Hall Jordan (Lanterna Verde) como líder?" ou "E se Anakin não tivesse aceitado ir pro lado negro da Força, ele continuaria sendo o enviado para trazer o equilíbrio?" e "Se ao invés de portugueses, os ingleses tivessem descoberto o Brasil? Teríamos mais RPG aqui por falar o idioma anglicano?" XD. Aplicar interrogações semelhantes aos nossos RPGs prediletos pode gerar inúmeras linhas alternativas de tempo muito interessantes. Bom, é um exercício bem legal. Mas pode ser traumático às vezes.

6 comentários:

  1. Eu já havia comentado lá no Hayashi no Ie, mas aproveito para complementar aqui, hehehe.

    Eu sempre quis criar um mundo de RPG, mas o máximo que faço é recriar os mundos imaginados por outros, utilizando-os nas mesas em que jogo ou imaginando "e se", como o Hayashi propôs aí acima.

    No fim das contas acho que antes de criar alguma coisa realmente autêntica, é preciso exercitar muito essa veia de recriação. Poxa vida, até tive uma idéia para um post agora... valeu Hayashi.

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  2. Exelente post diria que vc usou o seu especial CHOHAYASHIDESTRUCTRUGUEN!!

    Já Criei vários cenários de RPG e atualmente estou chegando ao climax da minha obra prima, mas sempre tenho coisas novas para adicionar e a minha mania de perfeccionismo só trava o processo.

    E eu entendo plenamente o efeito traumático do E SE? srsrrsrsrsrs.

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  3. eu ja meio q criei um mundo , mas nao deu muito certo. a coisa era q , era mais atrativo jogar os boxes de AD&D

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  4. Ae rafael, vc podia retomar essa idéia de criar um mundo, agora que temos Old Dragon.

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  5. Recriar mundos pode ser até mais interessante do que tentar criar um mundo do zero... imagina só, pegar um cenário (de RPG ou não) e acertar uns detalhes aqui e ali, sumir com alguns personagens e reinos, adicionar outros de acordo com o gosto, etc. Isso é basicamente a missão de todo mestre, mas foi explicada de um jeito mais "acadêmico" no post (que por sinal eu gostei muito ^^).

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  6. Legal, realmente recriar mundos ou adaptá-los é um exercício muito legal (ou traumático) mas existem algumas ocasiões em que podemos aproveitar as brechas ou eventos não mencionados em determinados cenários ou histórias. Exemplo: Quem leu as Crônicas de Nárnia sabe que no final da primeira crônica, Jadis, a feiticeira branca, é afugentada para longe de Nárnia por uma árvore plantada por Digori (o professor de "O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa"). E no início da segunda crônica, O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, a feiticeira é quem governa Nárnia muitos anos depois.
    Porque não explorar este período não relatado pelo autor, com uma campanha que mostrasse como isto aconteceu?
    Alías, uma pergunta: Porque existem tantas campanhas baseadas na Terra Média e pouquíssimas em Nárnia?

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