sábado, 15 de janeiro de 2011

Meditação: Como Causar Medo?


O medo é a reação típica de três tipos de narrativas principais: suspense, terror e mistério. Por vezes, é até difícil distinguir entre eles, mas, eles seguem por um caminho inverso às demais narrativas. Classicamente falando, as narrativas existem para construir conceitos, educar, defender a moral e os bons costumes e outras coisas dignas das mais puras e ingênuas fábulas infantis. Contudo, ao assistir um filme desses gêneros, o espectador se diverte ficando com medo, tomando susto, feliz ao descobrir que o mistério era algo que ele nem imaginava. Pasmem, isso é considerado um tipo de lazer. Definitivamente, o ser humano é um animal estranho.

 A questão que pretendo abordar neste humilde post, porém, é investigar os meios de se criar este efeito com sucesso e diversão de todos numa mesa de RPG. Afinal de contas, do que os personagens têm medo?
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Como eu disse, o medo é uma reação comum aos gêneros de terror, mistério e suspense. Espera-se que esses gêneros provoquem esta reação, e quando se vê um filme de terror em que é possível ver nitidamente o zíper da roupa do lobisomem, algo não vai bem. Diferenciar os gêneros é algo até que bastante simples, mas me aterei a tentar ao máximo manter este post o mais curto e suscinto possível. Assim, sendo, vamos aos meios de causar medo:

1. Horror
O caminho mais simples de gerar medo. Impulsos nervosos considerados "horríveis" despertam nossos instintos mais primitivos para gerar o medo como mecanismo de auto-defesa. Quando digo "impulsos nervosos" não quero dizer apenas entrar numa sala coberta de vísceras humanas e sangue escorrendo. Outros sentidos podem ser estimulados para gerar esse tipo de impressão. A cena clichê do grupo de adolescentes riquinhos assistindo filme de terror (normalmente, no meio de outro filme de terror), quando uma das garotas sai para... Sei lá... Buscar uma cerveja. Segundos depois, ouve-se o grito de prata do medo feminino. Todo mundo na cena, e em menor grau, o espectador, sentirão medo. Não que sairão por aí arrancando os cabelos e berrando histericamente, mas, em suas mentes, soa um alarme dizendo que "algo não está bem".

Em mesas de RPG, isso é bem típico. Apelar para o hediondo, nojento e repulsivo costuma ser o método mais direto de causar medo por aí.

2. Desconhecido
O medo não é do escuro, é do que se esconde nele.
 Todo ser humano com um pingo de juízo, se não teme, pelo menos respeita o desconhecido. Há uma margem de segurança em nossas ações diárias. As fazemos diariamente porque sabemos que não há perigo nelas, e não há perigo nelas porque as fazemos diariamente. Mas, quando surge algum imprevisto, também surge uma proporcional incerteza. Ela pode se tornar medo. Quando se dirige seu carro, não se imagina que alguém bata na sua janela no meio do sinal. Pode ser um assalto, pode ser apenas um vendedor de balas. Não chega a ser um medo imenso, mas dá um susto rápido. Quando se chega na rua do seu prédio e encontra o andar do seu apartamento pegando fogo de lá da rua, "o chão some". Isso também pode ser considerado medo.

Já que a maioria dos cenários de RPG é medieval, felizmente o desconhecido espreita em vários lugares. Ninguém sabe o que há além do Sétimo Mar (7th Sea), a qualquer momento uma espécie totalmente desconhecida e hostil pode pintar nos Reinos de Ferro, a Underdark é a maior fonte de medo pelo desconhecido que conheço em D&D, e o fato das lendas sobre as Terras Sombrias talvez não serem tão lendas faz qualquer rokugani com um mínimo bom senso pensar duas vezes antes de zombarem dos exageros que elas TALVEZ cometam.

3. Dúvida
Este meio é mais complicado, mas creio ser essencial numa trama bem amarrada de suspense. Normalmente se origina de um blefe entre antagonistas. O vilão está lá, vencido, derrotado e escurraçado pelo herói. Que garboso, todo arranhado, mas em estado físico "menos pior" diz: "Isso é para você aprender a nunca mais se meter com Elisa". O vilão, todo ensangüentado, então sorri, e tira da sua roupa o colar que o herói deu à tal da Elisa, todo ensangüentado. Isso gela o sangue de qualquer um. Será um blefe? A Elisa estará bem? Sincero que dá uma baita vontade de matar o maledito de uma vez, mas... Bom, de repente ele pode saber sobre o paradeiro da Elisa, e isso é tudo que o vilão precisa pra ver seu rival implorando por ajuda. Revés maneiro, não?

Outro exemplo CLÁÁÁSSICO de medo por dúvida se passa na cena mais clássica de Guerra nas Estrelas. Ao Vader contrariar tudo aquilo que Luke sabia pelos seus pais adotivos e por Obi-Wan, ele irrompe num grito (tchôla) de negação. Bom, o medo não durou muito, mas acabou se tornando um das cenas mais marcantes da cultura popular.

4. "O Que Você Mais Ama?"
Sinestro e alguns membros de sua Tropa.
Tão dele pra ter o seu nome.
"No dia mais sombrio, na noite mais brilhante,
Sinta seus medos se tornarem uma luz cortante.
E todo aquele que o correto tentar barrar,
arderá em chamas
QUANDO O PODER DE SINESTRO ENFRENTAR!"
(Juramento da Tropa Sinestro)

Bom, para quem não conhece, em primeiro plano temos Sinestro, vilão dos Lanternas Verdes do Universo DC. Fundador da Tropa Sinestro (humilde o sujeito, não?), que usa anéis amarelos, baseados no medo provocado por seus usuários (inversos aos anéis verdes da Tropa Oana, que usa força de vontade). Mas, falemos sério. O cara é roxo, tem um cabelo lambido pra trás, um bigodinho de Salvador Dali e um físico não muito imponente (e há alguns anos, tinha rabinho de cavalo e um brinquinho). Por que raios alguém teria medo desse cara?

Roteiromancia para explicar o motivo. Sinestro passou décadas estudando o medo, suas raízes psicológicas nas mais diferentes sociedades, derivações místicas e o escambau. Resultado, ele pode não ser a coisa mais temível de imediato (o "Superman-ciborgue-do-mal-frôn-rréu" ali do lado parece bem mais assustador que ele, aliás), mas ele SABE quais cordas puxar para fazer alguém sair se borrando todo na frente dele.

Uma das coisas que aprendi lendo os quadrinhos em que ele aparece é exatamente isso. Homens (seres humanos de modo geral, e daí quase qualquer outra forma de vida sensiente) temem perder o que têm. Tire algo que alguém ame, e terá sua fúria, mas enquanto esse algo estiver apenas ameaçado, a pessoa terá medo. Medo de perder o que ela ama, de se sentir incompleta, angustiada. Daí a imensa dificuldade de instilar o medo em pessoas que não têm nada a perder. Nesse caso, vale a pena instilar o medo através da perda esperança. Sim, o cara pode não ter nada, mas diante da possibilidade de perder a total esperança de ser alguma coisa é algo que no mínimo acarreta bastante desesperança. Não chega a produzir exatamente medo, mas chega bem perto.

Motivos para o Medo
Depois de falar isso tudo, só gostaria de ressaltar que de maneira alguma pretendo que este post seja um trabalho escrito em pedra que define todos os meios de instilar o medo. Certamente que há vários além desses, mas creio serem os principais pelo menos. Mas, e afinal de contas, quando e para quê colocar medo em seus jogadores?

Primeiramente, creio que o principal motivo seja o mesmo de assistir um filme que dá medo. Porque é divertido! Não me perguntem porquê, mas seres humanos são capazes de se divertir e até pagarem para se assustar. Assim, se não há meios do medo soar divertido, creio que usá-lo indevidamente seja a mesma coisa que contar uma piada no meio de um funeral, salvo as devidas restrições.

Em segundo lugar, o medo pode ser um instrumento de controle de seus jogadores. Ora, se um personagem apronta e apresenta qualquer espécie de comportamento reprovável ou contraproducente na mesa, e é punido, os outros jogadores (racionais) passarão a evitar o mesmo comportamento temendo a mesma punição. O medo como meio de controle não é novidade. Nossa sociedade vive usando isso. Muitas das vezes, obedecemos o guarda não porque "ele é a autoridade imbuída do poder do Estado para executar a justiça e a lei". Obedecemos porque temos medo de levar um tiro ou ser preso por desacato. Fato, o medo está presente em muitos afazeres cotidianos e nem nos damos conta. Curiosamente, creio que tenha sido Maquiavel que diz que "os homens traem a quem têm amor e a quem odeiam, mas não traem a quem têm medo."

Por fim, creio que o medo seja um meio tipicamente associados aos vilões de histórias. Primeiramente, porque superar o medo que paralisa reles mortais é tarefa primordial do herói. Em segundo lugar, porque é meio um tanto quanto "covarde" de se combater. O medo paralisa e enfraquece o oponente por vezes muito mais que uma adaga socada no rim. Recorrer a ardis, blefes e trapaças desonrosas é coisa típica dos vilões, aliás. Afinal de contas, eles não têm culpa dos heróis serem idiotamente poderosos e não tomarem providências que protejam seus entes queridos, e ainda por cima os deixam por ali... Dando sopa...

Bom, pessoal, é isso. O medo por vezes acaba vencendo batalhas antes mesmo delas serem lutadas. Por intimidação, blefes ou ardis, é um recurso eficaz que pode ser usado tanto por heróis quanto por vilões (embora esteja bem mais próxima dos vilões, como disse). Espero que o post tenha sido útil... E que tenham cuidado ao atravessar a rua. Afinal, nunca se sabe...

9 comentários:

  1. O simples medo pode ser mais perigoso do que desafios realmente mortais, já que se for excessivo pode levar as pessoas até mesmo à insanidade total...

    Adorei o post, Hayashi :D

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  2. Esse post me fez lembrar de um narrador de Lobisomem, meu amigo Volmar, que utilizava muito o recurso da dúvida. Essas dicas vão ser úteis para narrar meu novíssimo Rastro de Cthulhu!

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  3. Exelentes dicas Hayashi! Eu acho que para que o medo possa ser gerado dentro da crônica deve haver climatização e para que isso aconteça os personagens devem estar imersos na história.

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  4. Primeiramente, meu tradicional agradecimento a todos.

    @o Clérigo:
    Sincero q nem tinha pensado em RdC ao escrever o artigo. Tentei deixá-lo o mais genérico possível, e hoje acho q nem passei direito pela questão RPGística, e sim pela maneira geral de contar uma história. Ah, sim. Realmente deveria ter falado de Rastro, assim como de outros RPGs em q o medo impera, como Ravenloft, All Flesh Must be Eaten, etc.

    @Red Dragon:
    Não só pra gerar medo. Com um grupo alheio à narrativa, qq coisa q o Mestre narre vai passar batida pelo grupo. Mas acho q por aí fica mais fácil gerar medo do que o típico "Vc está andando na rua e um lobisomem pula na sua frente! UAAAHHH!".

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  5. lembro de uma aventura de ravenloft q mestrei. chamei cada jogador, um a um, para conversar em particular em outra sala.
    estavam todos como hospedes de um vampiro (eles nao sabiam q ele era, mas suspeitavam.)

    descrevi a cada um algum tipo de pesadelo, q culminava com a descoberta de que um deles era um doppleganger traidor.

    para um dos joagdores, eu disse "cara, teu pc ta preso na dungeon, e vc vai jogar como um doppleganger".

    foi muito legal, e todo mundo achava q o colega era o traidor.

    (esse artificio deve ser usado com cuidado, para que os jogadores nao se aborrecam uns com os outros)

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  6. Boa ideia essa, rafael. Será que essa aventura sai pra OD? :D

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  7. Show de bola! Sou fã de campanhas que deixam os jogadores com as calças borradas.

    Minha patroa está doidinha para narrar uma campanha de Vampiro e com certeza essas serão dicas de grande valia! =D

    Abraços macacacada!

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  8. Muito bom o post, e também inspirador para tramas diversificadas e variadas, mostrando que por um necromante que multila e dilacera não é o único meio de ver o medo nos jogadores.

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  9. O primeiro parágrafo desse texto foi o melhor que eu li sobre o tema!
    Não gosto muito de filmes de terror (curiosamente, gosto de contos mas não de filmes, sei lá, talvez seja o gore que me afaste deles...) mas tenho como desafio pessoal narrar um RPG de terror (descente).
    Muito bom o texto, mas eu acho que isso de tirar o que o personagem mais gosta não influencia muito no RPG, não para dar medo, o jogador sentiria mais medo se isso tivesse um reflexo na parte mecânica (agora que Elisa está em perigo, tudo que acontecer que o lembrar Elisa de alguma forma causará uma penalidade de -2 em todos os atributos (sei lá...) por uma cena).
    Agora sim eles iriam se cagar de medo...

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