segunda-feira, 21 de março de 2011

Crônicas da vida medieval: O conde


A vida de um Nobre não era fácil. Todos os dias, antes de se poder sair para caçar, era preciso receber aldeões que pleiteavam por justiça ou misericórdia, e dar-lhes uma sentença cabível. A situação só poderia ficar pior se um mensageiro do Marquês - ou de um Duque ou do próprio rei - viesse ter com ele, roubando ainda mais de seu precioso tempo de lazer.

Por isto, Conde Augusto de Santa Vitória não se alegrou quando o senescal lhe avisou da presença de um cavaleiro do Marquês de Porto Sul, que trazia uma mensagem.

***

Um Marquês era um dos maiores títulos de nobreza que se podia obter, ficando abaixo apenas do Rei, do Príncipe Real e dos Duques. Geralmente havia alianças entre Marqueses e Duques, que se protegiam mutuamente e prestavam "favores" uns aos outros.

Os Condes, por sua vez, ficavam abaixo dos Marqueses e costumavam jurar apoio a um deles, criando assim pactos muito úteis em tempos de guerra. O mesmo acontecia com os Viscondes, que ficavam abaixo dos Condes, a quem declaravam suporte. Abaixo dos Viscondes ficavam os Barões e os Cavaleiros.

***

- Qual é a mensagem de meu velho amigo, o Marquês de Porto Sul?
- Meu senhor, aqui está.

O mensageiro fez uma breve reverência e entregou a carta ao Conde, com o autêntico selo do Marquês. Conde Augusto tomou-a e abriu-a solenemente, mas o cavaleiro percebeu um certo ar de desdém em sua expressão. Após lê-la rapidamente, o conde levantou-se e foi até a janela do Salão do Juízo, fitando o pátio central do castelo, onde uma pequena feira acontecia.

Enquanto isso, o cavaleiro oferecia uma prece de gratidão por seu atraso não ter sido mencionado.

- Qual é teu nome mesmo, cavaleiro? - perguntou o Conde com um olhar malicioso.
- Dante de Porto Sul, milorde.

Dante engoliu em seco. Sentia que o Conde, por algum motivo, não estava gostando do que o Marquês lhe pedia. O Conde então perguntou ao cavaleiro:

- Sabes o conteúdo desta mensagem?
- Fui informado de que deveria acompanhar alguns de seus homens, senhor.

Dante sabia mais, obviamente, mas a prudência lhe dizia que era melhor não revelar tudo. O conde de Santa Vitória preferiria dar-lhe as ordens ele mesmo, o que fez com muita pompa, aproximando-se do cavaleiro.

- Muito bem. Meu senhor, o Marquês de Porto Sul, solicita que eu, o Conde de Santa Vitória, ceda-lhe alguns homens para a edificação de uma muralha em redor do vilarejo de...

O Conde fez uma pausa antes de continuar.

- ... vilarejo de São Lourenço... a propósito, Dante de Porto Sul, que vilarejo é esse, do qual nunca ouvi falar?

O cavaleiro pigarreou e disse humildemente:

- É um novo vilarejo, milorde.
- Que é um novo vilarejo eu já imaginava - disse o Conde com arrogância - se importaria de me dar mais detalhes, cavaleiro? Ou meu senhor, o Marquês de Porto Sul, ordenou-lhe que não me dissesse nada?

De fato, o Marquês havia-lhe pedido que mantivesse os detalhes longe do conhecimento do Conde, mas Dante não supunha que o Conde seria tão invasivo e direto assim. Havia rumores de que os dois estariam quase rompendo a aliança que possuíam, logo qualquer negociação devia ser discreta e muito bem conduzida. E Dante não se sentia preparado para isso. Ainda assim, respirou fundo e disse:

- Não, meu senhor. Perdoe-me, por minha falta de eloquência. A vila de São Lourenço fica a um dia do Mosteiro de São Lourenço. São terras do Marquês de Porto Sul, que ele concedeu a Sir Tomas.
- E quem seria este Sir Tomas? - perguntou o Conde rapidamente, olhando fundo nos olhos de Dante.
- Ele era um cavaleiro, milorde, que recebeu algumas terras devido a seus feitos.
- Hum, um cavaleiro favorecido pelo Marquês de Porto Sul... eu me pergunto: por que o Marquês não concedeu aquelas terras a você, Dante de Porto Sul?

A pergunta o surpreendeu, pois nunca havia pensado nisso, mas antes que pudesse responder, o Conde virou-se novamente para a janela, chamou o senescal e ordenou-lhe que buscasse alguns homens, seis no total, que deveriam acompanhar Dante de Porto Sul, até o novíssimo vilarejo de São Lourenço. Fez então um sinal para que Dante acompanhasse o Senescal.

Quando os dois saíram e o Conde viu quantas pessoas aguardavam por seu julgamento, simplesmente fez uma expressão de enfado e ordenou aos guardas que tirassem todos de lá. Já havia se cansado demais por hoje, e precisa caçar um pouco para recuperar o ânimo.

o ClérigoSo long and thanks for all the fish!

12 comentários:

  1. Me senti na idade média quando estava lendo.
    Muito bom mesmo priest, quero mais crônicas da vida medieval.

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  2. Hahahahaha, a vida de um nobre é realmente difícil!

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  3. Muito bom! Quem sabe daqui um tempo não teremos um livro de contos?

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  4. @Red Dragon: calma, que logo teremos mais Crônicas. E fico feliz que você tenha se sentido na idade média (não é nesse período que você ainda vive?).

    @Encaitar: valeu pelo comment!

    @Druida: difícil é pouco, rsrsrsrs.

    @Frodo: então cara, quem sabe um dia a coisa sai de forma impressa??? Seria loco demais!

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Eu tento Priest, mas os portais para outros mundos e eras me atraem muito.

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  7. Haha, lendo esse meu primeiro comment agora, lembrei do Dr. Nosferatu, não sei por quê oO

    Clérigo, uma coisa que devo dizer que estou gostando muito nessas Crônicas da Vida Medieval são os nomes de lugares, todos em Português! É que me dá um nó nas tripas quando vejo o povo anglicalizando (ou germanizando e enrussando, no meu caso específico...) as coisas. Tanto que até tinha pensado em traduzir todos os nomes próprios do meu (projeto de) cenário para Português, antes de ter desistido dele :)

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  8. Valeu Mestre Walla!

    Então, Encaitar, decidi repensar a fantasia medieval, baseando-me numa realidade ibérica, deixando de lado os tradicionais anglicismos e abraçando a cultura de nossa pátria-mãe e também Espanha. Ainda bem que gostou!

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  9. acho dificil escolher uma epoca para servir de "suporte" ao reinventar.

    muito legal seu texto, xará!

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  10. Estas histórias estão muito interessantes. Suaves e extremamente fluidas. Lê-se com uma facilidade tremenda. Parabéns.

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  11. Valeu J. Neves e Rafael. É bom saber que o texto está fluido e fácil de ler. Esse é meu maior objetivo.

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