sábado, 9 de abril de 2011

Maquinaria: Como o RPG salvou minha vida

(post publicado originalmente em " http://www.baronatodeshoah.blogspot.com/ ", reeditado)

Acreditar na educação de um país é acreditar no seu futuro.
É preciso motivar a sociedade, mostrar a ela os prazeres de uma poesia, os desafios da física, a magia das fórmulas químicas. Fazer a ligação entre o conhecimento e o mundo que a cerca.
Passei muitos anos da minha vida sem perceber o quanto esta frase é verdadeira, o quanto ela significa para uma nação que deseje crescer e ver seus cidadãos se tornarem campeões. È difícil dizer quando isso fez sentido para mim, mas, lá no fundo eu sempre soubesse que era um exemplo vivo de que educação e motivação podem mudar o destino de uma pessoa.
Antes dos meus catorze anos de idade eu nunca tinha colocado as mãos em um livro com o objetivo de lê-lo. Talvez, em alguma aula de Língua Portuguesa em anos anteriores eu tivesse folheado algumas páginas de algum clássico, porém, reservar um tempo de minha vida para realmente ler, isso é outra história. Eu podia ser considerado um analfabeto funcional, aquele que lê o que está escrito, mas é incapaz de interpar.

Minhas amizades também não eram das melhores. Éramos os piores alunos da escola, do tipo que as mães são chamadas toda semana para conversar com a diretora. As brigas e discussões eram constantes, pulávamos o muro para ir jogar bola ou simplesmente ficar vagando por aí. Tudo me era melhor que estar na sala de aula.
Mas algo aconteceu. Um erro e tudo aquilo que eu sabia ser a verdade e o único caminho para minha vida começou a ser questionado. Fui à locadora e acabei alugando um jogo de RPG chamado Final Fantasy, quando, na verdade, queria um jogo de luta chamado Final Fight. Não consegui entender nada do que se passava, era um jogo que envolvia inteligência, habilidade, raciocínio. E isso não era coisa para mim, era algo que eu associava aos nerds, aos garotos de minha escola que passavam o dia estudando. Algo que eu nunca faria.
Por fim, fui até a banca de jornal e comprei uma revista sobre RPG (Role Playing Game) chamada “Dragão Brasil”, achando que nela encontraria as respostas para o jogo que tentava aprender. Para minha surpresa descobri outra forma de RPG, que era jogado em mesa, com dados, lápis, papel e pessoas. Fiquei muito curioso com aquilo e me lembrei de que alguns garotos da minha escola jogavam esse tal RPG. Fui procurá-los, eram os mesmos garotos que eu não gostava, os tais nerds. No fim acabamos nos divertindo muito e eu me apaixonei por esse jogo.
Eles me emprestaram alguns livros que, em primeira mão, me pareceram “monstruosos”. Cerca de três módulos básicos de trezentas páginas cada. Eram os livros da Editora Abril, chamados Advanced Dungeons & Dragons. No princípio achei que não conseguiria ler aquilo, mas o fiz. Em menos de uma semana li os três livros, cerca de novecentas páginas e decorei todas as regras de cada um deles: O Livro do Mestre, O Livro do Jogador e o Livro dos Monstros. Não satisfeito, comecei a comprar todo mês a revista Dragão Brasil e outros RPGs.
Não demorou muito tempo para que meus amigos notassem a diferença. Eu já não pulava os muros da escola, comecei a me dedicar mais às aulas, principalmente História, Geografia e Língua Portuguesa, fui me sentar mais à frente, com os garotos com quem jogava nos fins de semana ou depois das aulas. Tudo isso por causa de um livro, por causa de um engano que me levou a reformular todos os meus conceitos.
Dedicação. Eu tinha algo a que me prender. Um passatempo saudável que me abria a mente para a educação e que me motivava a continuar aprendendo. Sem ele eu não sei o que seria de mim hoje.
Meus antigos amigos se afastaram de mim. Mas eu não me importei. Tinha conquistado novos. Os mesmos nerds que eu havia desprezado no passado acabaram se tornando meus companheiros para toda a vida. Até hoje somos amigos (no caso de um deles, sou o padrinho de seu filho), saímos juntos, já trabalhamos juntos. Foram estas pessoas que me incitaram a começar a estudar cada vez mais, a ter determinação e me concentrar em um objetivo, algo que eu, por brincadeira, falava quando era mais novo: ser escritor.
Aos poucos este sonho tomou forma. Primeiro com alguns cursos, depois na faculdade. Ingressei em Letras, senti que todos aqueles anos em que desprezei a leitura fariam diferença. Mas não desisti. Estava determinado a vencer, a me tornar um campeão. Segui naqueles quatro anos buscando o aperfeiçoamento intelectual, iniciei um projeto de pesquisa e recebi um prêmio por ele, superando as dificuldades impostas até então. Nessa época eu já havia escrito dois livros de RPG com amigos e publicado ambos por conta própria: Éride – luta pelo poder e Taenarum.
Mais tarde comecei meu livro, O Baronato de Shoah, o primeiro romance brasileiro pensado dentro da estética Steampunk. Logo atraí a atenção da Editora Draco e com ela começamos a preparação, revisão e edição do material. Foi um caminho árduo, mas cada etapa vencida só serviu para nos mostrar que estávamos mais próximos da perfeição.
Perfeição. É esta palavra que busco em cada uma de minhas ações. Realizar meus objetivos com maestria, trazendo o bem para aqueles que me cercam, amigos ou não. Fazer a diferença no mundo através de uma postura ética séria, pensando no futuro, sem deixar o passado esquecido. Mas aprendendo com ele para não errar novamente.
É nisso que acredito, em uma educação voltada ao desenvolvimento humano e social. Em transformar o mundo através da força de vontade, do exemplo e da perseverança. Em realizar sonhos, diminuir as diferenças sociais, mostrar a cada um o potencial que guardam dentro de si.
É por isso que jogo RPG, por acreditar nestes mundos de imaginação, nestas histórias criadas por nós. Por acreditar nas pessoas e em todo o potencial que elas podem revelar.
José Roberto VieiraJosé Roberto Vieira é escritor, autor dos RPGs Éride e Taenarum, e do romance Steam-Fantasy "O Baronato de Shoah". Formado em Letras, estuda Jornalismo e Comunicação. Gosta de RPG, carros, música, literatura, cinema e teatro. Em algum lugar do passado foi bully, hoje é nerd.

9 comentários:

  1. Seja bem vindo ao blog, José Roberto!

    Muito bom este seu post, não sabia que o RPG tinha mudado tanto sua vida. Pena que histórias assim não são divulgadas pela mídia.

    ResponderExcluir
  2. Realmente uma grande historia.

    Comigo aconteceu algo bem parecido.

    Fiko feliz por esse tipo de mudança.

    Como costumo dizer: Qualquer jogador de RPG com mais de 5 anos de jogo, possivelmente leu mais livros do que qualquer adulto de 40 anos. Normalmente o senso critico dos jogadores é muito acima da maioria.

    Parabens, e valew pelo autografo no Sabado!!!

    ResponderExcluir
  3. Ele é a prova de como o RPG pode influenciar posotovamente um jovem sem rumo... Parabéns pelo post!

    ResponderExcluir
  4. Um belo texto! (E mais um rpgista que fez Letras, diga-se de passagem!). Para falar a verdade, o RPG também mudou completamente minha vida. Graças a ele conheci amigos verdadeiros e o homem que se tornou meu marido. Posso dizer que hoje sou feliz e encontrei um rumo por causa do jogo.

    ResponderExcluir
  5. Vieira, posso utilizar sua história em meu trabalho voluntário com RPG? É exatamente o que eu tento mostrar aos pais e professores. Eu, pessoalmente, sempre fui nerd e cdf, mas, com o RPG, consegui atrair cinco amigos da galera da bagunça para a galera culta. Eu tenho certeza que o RPG pode mudar muita coisa na educação, talvez não como ferramenta, mas como um passatempo sadio e inteligente. Parabéns por tudo!

    ResponderExcluir
  6. Saudações José! Bem vindo a equipe.
    Lembro que li uma máteria dizendo que muitas pessoas procuravam Gary Gygax para agradecer por ele ter inventado o D&D, justamente pq essas pessoas se tornaram medicos e professores através do RPG que os fez se interessar pela leitura e educação.

    ResponderExcluir
  7. Creio que todos os RPGistas possuem uma história semelhante, em maior ou menor grau. Isso é algo bom :)

    ResponderExcluir
  8. Eu acho que todo blog/ site de RPG deveria ter estas histórias sobre "como mudou minha vida". Muita gente tem preconceito com o hobby exatamente por não conhecer o lado positivo do jogo.
    Prof Alexandre, parabéns e sim, você pode usar meu texto em seu trabalho, ok?
    Aos outros companheiros, um sincero obrigado pelo apoio!

    ResponderExcluir
  9. Legal sua história José, até porque me identifico um pouco com ela. Se não fosse o RPG eu nunca pegaria gosto pela leitura, mesmo que tarde, e hoje é um dos meus passatempos favoritos.
    Parabéns pelo post e pela entrada no blog.

    ResponderExcluir

Seja um comentarista, mas não um troll! Comentários com palavrões ou linguagem depreciativa serão deletados.