quinta-feira, 14 de julho de 2011

Lição: Desequilíbrio

Olá, classe! Férias chegando! Já posso até sentir a lombeira batendo... mas, não é por isso que ficaremos sem lição, correto? Então, olhos à lousa!


Na semana passada, o post sobre equilíbrio que fiz foi, em minha opinião, mal interpretado. No entanto, não creio que a culpa seja dos leitores, mas sim dos polêmicos schoolers, sejam eles new ou old: capazes de bitolar qualquer um com sua guerra sem sentido, agora, basta você falar em “mais interpretação, menos regras” para ser tachado de defensor do old school. Ou ainda, basta juntar no mesmo post as palavras “AD&D” e “4ª Edição” para ninguém mais dar bola para o que você está querendo dizer.

Então, para evitar que me interpretem mal, vou falar sobre dois sistemas que, a meu ver (e por enquanto), ainda não estão no meio dessa pendenga de estilos: Sistema Daemon e Tagmar. Não importa se você é new, old¸ middle ou no school, leia o post até o fim e você compreenderá o que quis e quero dizer.
Um schooler, vendo o RPG atrás das grades de seu estilo...

Sistema Daemon

Atualmente, eu e meu grupo jogamos D&D 3.0, mas, no passado, jogávamos muito o Sistema Daemon, nos mais variados cenários. Ainda hoje, esse é nosso sistema favorito e, se não o estamos jogando, é devido à falta de tempo para sessões mais longas (o que não quer dizer que D&D não sirva para isso, questão de gosto nosso).

Nossa primeira campanha com o Daemon foi Invasão. O grupo era composto por um agente do FBI (cópia descarada do Mulder...), um fotógrafo do Times, um legista forense (versão masculina da Scully...) e um meio-metaliano. Para quem não sabe, metalianos são uma raça de alienígenas metálicos. Meio-metalianos são humanos modificados com genes desses alienígenas, possuindo imensa força e resistência física (além de outros poderes).

Bem, amigos, pergunto-lhes: onde está o equilíbrio? As regras para a criação dos quatro foi absolutamente a mesma: o equilíbrio de “pontos” está impecável, mas, e o resto? O meio-metaliano era imensamente superior aos demais em termos de combate e resistência, mas não poderia descobrir nada sobre os cadáveres encontrados pelo caminho. Já citei o caso do fotógrafo, que não sabia lutar com absolutamente nada, no post anterior. Você acha que os Jogadores ficaram preocupados com isso? NÃO! A função era criar uma história bacana e foi isso que fizemos. Não havia equilíbrio algum quando os agentes da CIA cercavam o grupo para pegá-los: os agentes do FBI mandavam bala, o meio-metaliano descia a porrada e o fotógrafo tratava de se esconder.

Outra campanha, outro cenário, mesmo sistema. Arkanun. Horror medieval. O grupo era formado por um exorcista (nenhuma habilidade de combate, poucos poderes concedidos pela fé), um inquisidor (único combatente nato, porém, só servia para isso), um Discípulo de São Cipriano (mago convertido ao catolicismo) e um anjo captare (anjos responsáveis por caçar os “procurados” pelo Céu...).

Nesse caso, nem mesmo as regras para criação de Personagens foram as mesmas: o anjo captare seguia regras próprias do livro “Anjos: a Cidade de Prata”, com muitos pontos acima dos demais. Além disso, o exorcista era fragilíssimo, não sabendo lutar ou defender-se de qualquer ataque. O inquisidor, embora tivesse espada, escudo e armadura, via-se numa fria ao combater certas criaturas infernais. O discípulo de São Cipriano virava-se muito bem com um bom repertório de magias. O anjo, além de ser mais poderoso, possuía não só magias como o mago, mas também poderes angelicais. Onde está o equilíbrio aí? A pergunta não é essa. A pergunta é: equilíbrio pra quê?

O Jogador que interpretava o anjo não era considerado o “top-top” do grupo, mesmo sendo, tecnicamente, imortal. O objetivo não era mostrar quem era O “cara” do grupo, mas contar uma história de horror convincente.

Muitos podem estar pensando que estou forçando a barra ao usar o Sistema Daemon como exemplo, por não ser um sistema equilibrado em sua essência. É justamente isso que, para nós, o torna um jogo tão querido. Ele é simples sem ser simplório, profundo sem ser pedante, e desequilibrado, graças a Deus...
Grupo de Jogadores correndo atrás do equilíbrio...

Tagmar

Depois que o AD&D passou para a Devir, foi difícil, ao menos por aqui, encontrar os livros básicos. Na falta deles, um jogo que fez sucesso entre meus amigos foi o Tagmar. Lembro-me que o joguei em duas oportunidades e, apesar de ter detestado as tabelas coloridas, gostei muito, muito mesmo!

Na primeira vez, eu e Maiquel (Jogador que atualmente interpreta Ossur) jogamos como gêmeos anões. Acho que já contei isso por aqui, portanto, vamos pular para a próxima jogatina.

Na segunda vez, joguei com esse mesmo grupo por duas semanas. Dessa vez, durante a criação de meu Personagem, os dados disseram que eu seria um nobre ricaço (não lembro se era o Mestre ou o sistema mesmo que definia essas rolagens para dinheiro e nobreza, alguém aí lembra?). Criei o Marquês de Calabar, em homenagem à peça de Chico Buarque.

Meu marquês era um cavaleiro nobre, de seus quarenta e poucos anos (já velho, para os padrões medievais), com hábitos refinados, linguajar e trajes finos, além de uma queda por mulheres bonitas, embora fosse péssimo conquistador e tenha morrido solteiro.

Na hora de comprar os equipamentos, comprei apenas roupas chiques e uma bengala. Os outros Jogadores me questionaram: “nenhuma arma? Como é que você vai lutar?”. Eu respondi: “lutar? E conspurcar minhas magníficas luvas de pelica com o sangue pútrido dos inimigos? Puá! Contratarei mercenários!”. E foi o que fiz. Não participei de nenhum combate.

Com toda a grana que meu Personagem tinha, contratei um grupo de aventureiros para me servir. Administrava o dinheiro que conseguia comprando tavernas, casas, lojas, enfim, estava jogando Banco Imobiliário em Tagmar. No começo, o grupo todo estranhou, até mesmo o Mestre, mas, depois de um tempo, todos compreenderam e tudo fluiu muito bem.

E o que isso tem a ver com equilíbrio? Bom, em dado momento, todos haviam evoluído de alguma forma, menos eu: ainda era o mesmo Personagem do começo do jogo, exceto pela conta bancária. Adivinha quem era o mais poderoso? Calabar, lógico. Meus mercenários auxiliavam o grupo, logo, eu queria uma parte dos tesouros conquistados. Além disso, meus negócios forneciam um bom estoque de grana para comportar até certos luxos, como quando comprei um galeão para atravessarmos determinada lagoa ou mar, não lembro ao certo.

Lembro que conversei com o Mestre depois da sessão e ele disse que havia criado toda a aventura esperando que nós locássemos uma embarcação nas docas, onde seríamos sequestrados e levados por piratas. A compra de meu barco forçou-o a uma nova linha narrativa: os piratas nos atacaram e saquearam meu barco. Não teve problema e não fiquei chateado: “railroad”, alguns dirão. Que seja, mas, assim que usei minha lábia e minhas peças de ouro para convencer a tripulação que eu deveria ser o capitão, tudo estava sob nosso comando novamente.

Conclusão

Agora, entendam aonde quero chegar: não importa as regras, sistema, ambientação, Sempre haverá desequilíbrio, não é maravilhoso? Isso dá novos rumos à linha narrativa, proporcionando histórias infinitamente mais profundas. Imagine uma história com Personagens realmente equilibrados, mesmo que cada qual com sua função... seria, no mínimo, entediante.
Mesa com Jogadores equilibrados ficam assim...

Veja bem, não estou falando que o sistema X é melhor do que o outro ou que o x-school é melhor que o outro. O desequilíbrio acontecerá, uma hora ou outra, não importando nada disso. O mundo não é equilibrado e é isso que o torna tão fascinante.


P.S: as imagens desse post são do artista Sebastián Picker.
Prof. AlessandroAlessandro é professor de Inglês, Espanhol, Português, Religião e Literatura devido à profissão. Cineasta, cientista, astrônomo (não astrólogo...), artista plástico, ator, músico, linguista, poliglota, crítico e escritor devido à paixão. Leitor, RPGista, nerd, cinéfilo, enólogo e ocultista devido à diversão. Maníaco por cultura devido a algum mal genético. Ah, e chato, por pura força de vontade.

11 comentários:

  1. Unh, acho que entendi a diferença entre opiniões agora.

    Vc levanta um pensamento que equilíbrio está ligado em 'equilíbrio em combate'. Eu acredito que equilíbrio = todos os personagens tem oportunidades iguais de influenciar a história. O que é alcançado proporcionando a todos mecânicas igualmente interessantes para fazer isso.

    Ou seja, num jogo onde combates são o foco, todos deveriam ter mecânicas interessantes para influenciar nos combates.

    Em jogos onde investigação é o mais importante (como Invasão), combates não importam. Então o meio-metaliano ser melhor que os outros nisso não é importante. O que importa é que todos tenham habilidades que possam ajudar no processo de investigação.

    Então em vez de equilíbrio estar sempre ligado ao combate, acredito que equilíbrio esteja ligado ao foco de cada jogo.

    Abraço e bons jogos :)

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  2. Eu particularmente não gosto de jogos muito equilibrados. É como se você fosse escrever uma peça de teatro e querer que todos os atores fossem "He-Man's modernos" e tivessem exatamente igual o número de falas e cenas. Considero o roleplaying exatamente isso, um teatro mais ou menos improvisado.

    E como no teatro, as vezes, um personagem sem muita pretensão pode cair na graça do público e roubar a cena. Ártemis Entreri e Sturm Brightblade são exemplos de coadjuvantes que deram certo e tem uma popularidade que rivaliza com a dos próprios protagonistas.

    No fim das contas, depois de alguns anos de jogo, percebemos que o divertido é interpretar o personagem, pensar e agir como ele, não importando se é um herói épico ou um aldeão covarde =)...

    Daemon também é um dos meus sistemas preferidos, suas regras baseadas em porcentagem deixam o jogo praticamente todo intuitivo.

    Tagmar é extraordinário. Na minha opinião é atualmente o melhor cenário medieval brasileiro =)...

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  3. Olá!

    Nesse ponto,
    Desequilibrio ainda é RUIM.
    Você gosta de ficar sentado durante duas horas para depois perceber que não jogou nada de RPG e ficou ouvindo os outros jogando?

    É chato não é?
    Ter equilibrio seja onde for é uma coisa interessante. Ou no mínimo uma necessidade do mestre de fazer a coisa rolar de forma agradável e intuitiva.

    Personagens não combativos em D&D são possíveis, mas inviáveis. Outros sistemas isso pode ser resolvido com outras situações/capacidades. Mas no geral em D&D é complicado (independente das edições).

    Não me leve pelo lado ruim, estou apenas colocando meu ponto de vista de quem quer ver um jogo de narrativa, e mesmo a narrativa compartilhada (Primetime Adventures, Fiasco, House of Blooded...) ainda existe um equilibrio de "Holofortes" para cada personagem.

    Ou seja, EQUILIBRIO é necessário. Isso independe do sistema.

    Desculpe se te ofendi por qualquer motivo.

    Abraços.

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  4. Ah...

    Esse papo de “equilíbrio” e “desequilíbrio”...

    Só sei que uma jogatina de RPG é possível se existir bom senso e companheirismo no Grupo. Não havendo generosidade e vontade de diversão coletiva, não existirá RPG.

    Vejo esse clamor pelo equilíbrio uma resposta ao comportamento competitivo que muitos jogadores possuem.

    RPG é um jogo cooperativo, e se o jogador Zé com seu mago LvL 18 resolve tomar conta da narrativa a diversão acaba!

    Ótimo trabalho Professor!

    Até+

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  5. "Só sei que uma jogatina de RPG é possível se existir bom senso e companheirismo no Grupo. Não havendo generosidade e vontade de diversão coletiva, não existirá RPG."

    *Sigh* Ninguém discorda da importância do contrato social ou da disposição em todos permitirem que os outros contribuam. Isso é importante, mas amizade não corrige problemas crasos de regras.

    Eu pensei em escrever uma resposta longa explicando o pq, mas quer saber? Acredito que por maior que seja a amizade, existem problemas mecânicos que não podem ser corrigidos somente pelo contrato social do grupo. Se a tua experiência diz o contrário, sorte a sua. Gostaria de não ter jogado as sessões que me ensinaram o contrário.

    E não vou iniciar uma discussão sobre sua opinião de que aqueles que discordam de você, o fazem porque jogam RPG de forma competitiva. Desculpa, mas eu evito esse tipo de 'isca' pra discussões acaloradas porque não vejo mais como algo produtivo.

    Boa sorte e bons jogos.

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  6. A questão toda é incrivelmente simples. O problema parece que continua sendo a visão diferente que as pessoas tem de rpg. Tem gente que enxerga mais como jogo, e tem gente que enxerga mais como interpretação. E visões diferentes geram noções de equilíbrio diferentes.

    Talvez isso se resolva logo, pois vejo que os sistemas estão se moldando a esses dois públicos, já que um meio-termo entre os dois parece impossível. Temos sistemas voltados só para combates e regras e sistemas voltados só para interpretação. Não acho que isso deveria ser motivo de discussão. Cada sistema é voltado para um tipo de público e pronto. E se um público continua insatisfeito, mude as regras, teste ou crie novos sistemas até conseguir uma campanha satisfatória.

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  7. Gosto de pensar nas classes de personagens de D&D para perceber a existência do desequilíbrio nas regras desse sistema: Homens de Armas são os melhores em combate; Magos soltam magias arcanas melhor do que todos; Ladrões usam talentos ladinos melhor do que todos; clérigos usam magias divinas melhor do que todos.

    Há, portanto um desequilíbrio no sistema, desequilíbrio esse que causa a necessidade de um grupo onde as diferentes partes desequilibradas se ajudem mutuamente.

    Eu acho que a graça do RPG se perderia se todos batessem tão bem quanto qualquer guerreiro, ou pudessem usar magias como qualquer mago, etc, etc.

    Em jogos onde haja essa divisão por classes, ela está lá justamente para atestar o desequilíbrio das regras.

    Se você não entendeu nada, deixemos a coisa mais simples: é cada um no seu quadrado.

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  8. "Há, portanto um desequilíbrio no sistema,desequilíbrio esse que causa a necessidade de um grupo onde as diferentes partes desequilibradas se ajudem mutuamente."

    Hein? Jogos como D&D e similares propõe como um dos conceitos a existência de grupos de aventureiros com habilidades que se complementam. Nesse caso, é intenção que ninguém seja auto-suficiente e o trabalho em grupo seja incentivado. Logo, se o sistema suporta o conceito pretendido, ele é equilibrado.
    Desequilíbrio seria uma situação onde o conceito do jogo é de 'grupo de aventureiros cujas habilidades se complementam' e, em jogo, um ou dois personagens fossem realmente úteis e o resto ficasse chupando o dedo.

    "Eu acho que a graça do RPG se perderia se todos batessem tão bem quanto qualquer guerreiro, ou pudessem usar magias como qualquer mago, etc, etc."

    O problema é que em algumas versões de alguns sistemas, variações disso acontecem. D&D é famoso por isso, tanto que o termo "Linear Warriors, Quadratic Wizards" nasceu do D&D. Em algumas edições, depois de algum tempo os spellcasters se tornam capazes de fazer tudo que os não usuários de magia fazem, muitas vezes melhor. O que joga o equilíbrio pela janela. Não existe mais a necessidade do grupo, porque alguns dos personagens se tornam completamente auto-suficientes.

    É a questão de que equilíbrio está ligado ao conceito do jogo. Se estivéssemos jogando um sistema que tenta simular um bando de clones de uma mesma pessoa (como alguma história derivada de A Ilha ou um bando de Exterminadores do Futuro), todos serem capazes de fazer as mesmas coisas não seria desequilibrado.

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  9. Ótimo post professor.
    Acho que equilibrio num jogo de RPG é vc não perder o sentido ou a "lógica" do seu jogo dentro da suas próprias regras. Como por exemplo definir uma regra em que no no nível dois um guerreiro seja capaz de fazer frente a um dragão, ou que tenha na tabela força ou ataque igual a um gigante e não seja capaz de aguentar uma tora grande de madeira.
    Entre classes e raças o desequilibrio nesse ponto ou naquele é algo natural.

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  10. Nem fazia idéia que tinha gente que gostava de Daemon, achei que eu era o único, fora, claro a turba de zumbis seguidores do mainstream do sistema. Gosto pacas do sistema daemon e jogava ele pra tudo, de supers até fantasia medieval (tinha um netbook incrivel do gandalfo adaptando as classes e raças do livro do jogador de D&D). Realmente o sistema e cenários não são feitos para haver equilibrio, cada um geralmente escolhe com o que deseja jogar por questão de afinidade (pelo menos no meu grupo). Joguei uma aventura de Trevas com um mago que mancava de uma perna, atrasava todos os jogadores, eles reclamavam, mas sempre falavam dele. Foi divertido, gostamos, mesmo eu as vezes tendo que ser carregado.

    Tagmar hj sou coordenador de revisão e não conheço melhor cenário de fantasia medieval nacional, não posso dizer nada dos gringos pq li muito pouco dos reinos esquecidos. Como sistema, hj em sua versão 2.0, ele possui qualidades e defeitos como todos os sistemas, a famigerada tabela ainda existe mas as coisas estão menos letais e revisões consideráveis foram feitas.

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  11. Ótima postagem. Pena que a maioria dos rpgistas (incluindo Mestres) não entendem isso.

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