segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Conto: Chloroform - parte 5


Olá pessoal e eu já começo este post pedindo mil desculpas por deixar vocês por uma semana inteira sem Chloroform. Tive muitos problemas técnicos que envolviam falta de net e de acessórios que poderiam ajudar a postar por um outro computador... Mas enfim, cá estamos, com mais uma parte da história. Como sempre, comentários e sugestões são muito bem-vindos! Enjoy!



- Olhe para você... Parece um morto vivo. Por que não vai para a cama dormir um pouco?

Foram estas as palavras de uma nobre mulher de longas tranças negras, parada diante de uma gigantesca estante na Biblioteca Real. Vestida em um elegante roupão e bastante ouro, ela se dirigia àquele jovem soldado envolvido no incidente da torre, encarando-o com desaprovação. Este folheava atentamente o livro que tinha nas mãos.

- Mãe, agora não, por favor. - resmungou ainda encarando o livro - Preciso com urgência falar com o Imperador. Onde ele está?

- Com os Conselheiros. Parece que ninguém mais do castelo conseguiu pregar os olhos desde o ataque desta madrugada.

- Era de se esperar, suponho. - e passou por ela, dirigindo-se à porta.

- Não me atreveria a ir até lá se fosse você. - falou de súbito.

O rapaz parou e olhou para trás.

- A notícia que tenho é sumamente valiosa. Tenho certeza que me deixarão entrar. - e se voltou outra vez para o corredor.

- Seu pai está doido para cortar algumas cabeças e não tolerará sua presença na reunião, a menos que conquiste um cargo de confiança. A menos que se torne algo mais que um simples soldado de cavalaria. - o jovem se imobilizou mais uma vez, pensando nas palavras da mulher - Elyan, por favor, entenda que...

- A senhora é quem deve entender - retrucou com voz elevada encarando-a com furor - que o que eu tenho a lhe dizer me garantirá esse respeito.

Ela suspirou lentamente, sem poder fazer nada além de ver seu filho andando para bem longe.



- Alto lá, Lorde Graaver. - falou o soldado imperial que guardava a grande porta de aço - O Imperador Guorthigern[1] se encontra em Conselho. Ninguém, nem mesmo o filho do Grande Rei, tem permissão para entrar.

- Capitão Gilliam - Elyan respirou com calma, tentando não se aborrecer - Entendo perfeitamente sua posição. Mas a informação que tenho diz respeito aos acontecimentos dessa madrugada. Devo aproveitar a presença dos Conselheiros para revelar os planos do malfeitor por trás desse ataque.

O oficial passou a mão na cabeça, cansado.

- Meu senhor, devo relembrá-lo de que não importa a gravidade da situação, qualquer um que atravessar estas portas sem ter seu nome chamado pelo Lorde Meggion, será no mesmo instante condenado à morte. E se eu lhe deixar passar, também morrerei.

Elyan Graaver soltou um suspiro de desapontamento.

- Se a informação é tão urgente como o senhor diz, - voltou Gilliam a falar - posso encaminhá-la ao Imperador assim que tiver a oportunidade.

O jovem pensou bem antes de decidir.

- Não... Não será necessário. Apenas diga ao Lorde Guorthigern que desejo lhe falar assim que possível. Se ele puder atender meu pedido, será uma grande honra.

O capitão assentiu com uma reverência.

- Agradeço a compreensão, meu senhor.



O calabouço aguardava os mais miseráveis dos homens. Pessoas que cometiam erros e precisavam dar algumas respostas, apenas aguardando que seu julgamento fosse justo. E naquela manhã, todos os olhares se voltavam para um único prisioneiro.

- Vou perguntar pela última vez. Quem te mandou até aqui? Eu quero nomes.

O homem brutalmente torturado fora acorrentado pelos pulsos, com os braços abertos enquanto seu tronco permanecia sentado ao chão. Parecia inconsciente, mas os soldados presentes não apostavam nessa idéia. Encontrava-se apenas calado. Um dos imperiais se virou para o capitão Pieter, impaciente.

- Senhor, se esse homem soubesse de algo, já teria falado alguma coisa. Qualquer coisa. Usamos tudo o que podíamos nele. Qualquer coisa além desse ponto, perderemos o prisioneiro.

- Talvez ele não tenha recebido ordens diretas do mandante, justamente para o caso de ser pego em flagrante. - arriscou outro.

Mas Pieter não se convenceu.

- Não. Este homem apenas foi muito bem treinado para não confessar. Muito resistente, devo admitir, mas ele não sairá daqui sem responder o que queremos saber.

- Talvez... porque... - começou o réu, fazendo um esforço para sorrir - vocês não estejam... fazendo as perguntas certas...

- Perguntas certas? - repetiu o capitão, achando graça - Então admite seu envolvimento direto no ataque. Muito bem. Vou ter bastante tempo para pensar nisso enquanto você adormece com a Donzela. Quem sabe assim você prefira pular as perguntas e ir direto para as respostas. - e se virou para um dos soldados - Levem-no até a Dama de Ferro.

- Esperem um momento. - veio uma voz das escadas e todos pararam para olhar.

- Lorde Graaver? O que o senhor...?

- Preciso falar com este prisioneiro a sós. - ordenou, mas ninguém se moveu, sem entender a urgência - Não ouviram o que eu disse? Saiam todos.

Os homens debandaram assustados, sem entender seu superior. Mas em menos de um minuto, a sala estava completamente vazia, com a exceção de três almas.

- Capitão, você também, por favor. - disse Elyan com um pouco mais de reverência, respeitando a patente do guardião.

- Espero que saiba o que está fazendo, senhor. - respondeu-lhe o homem serenamente - Com todo o respeito, seu pai ficaria muito desapontado caso...

- Eu sei exatamente o que estou fazendo, Pieter. Obrigado.

- Então o senhor me desculpe. Com a sua licença. - fez uma leve reverência, subindo as escadas e fechando a porta atrás de si.

Enfim, os dois homens ficaram sozinhos.

- Qual é o seu nome, soldado? - perguntou Lorde Graaver sem rodeios.

- Uma sombra não tem nome... ugh... mas me chame de Hye, se desejar.

- Hye? Certo, Hye. Então vamos para a parte interessante do assunto.

O prisioneiro soltou um risinho, mas logo em seguida soltou mais um gemido de dor. Elyan levantou uma sobrancelha.

- Curiosa essa sua diplomacia com um... inimigo. - explicou Hye - Por acaso... ugh... faz parte de seu... treinamento Real?

- Isso não é da sua conta. - resmungou, mudando de assunto rapidamente - Essa noite, depois do nosso pequeno duelo, tudo ficou mais claro para mim: a razão desse ataque, o estranho que aproveitou a oportunidade para subir até a torre mais alta, passando por toda a vigília, simplesmente para entrar na Sala dos Tesouros. Sabe o que eu acho? Isso tudo é culpa sua. Foi você quem armou tudo isso, incitando a população à rebeldia, armando um golpe para que esses mesmos aldeões caíssem em uma armadilha ao dar-lhes uma informação falsa sobre uma suposta passagem pela Catedral. Porque assim, o exército imperial estaria ocupado demais para perceber a sua entrada no castelo. Mas você não contava que alguém iria aparecer para delatá-lo, não é?

- Você... deduziu tudo isso sozinho? Hehe... Meus parabéns. - murmurou Hye com ironia - Como sabia que eu... iria até lá?

Graaver se virou de costas para prisioneiro.

- Se as paredes deste castelo falassem, elas sussurrariam as conversas de criados insatisfeitos com seus senhores. Criados que fariam qualquer coisa para provocarem dissensões entre os dessa Casa, inclusive, guiar um estranho até uma sala com as maiores relíquias do Império. Mas o que me deixou mais intrigado - e voltou a encarar Hye - foi a sua escolha por um artefato que poderia passar despercebido pelos olhares menos atentos. Mas ele era importante demais para você, já que foi o motivo de todo o motim. Por acaso era um Cristal de Éter?

Ao pronunciar aquele nome, o semblante do réu se modificou. E Elyan percebeu isso.

- Como imaginei. Se me lembro bem, foram encontrados aos montes durante a Era Vermelha, utilizados em rituais de bruxaria. – disse o nobre com repugnância – Eu acreditava que todos tinham sido destruídos... O que eu me pergunto, é o que um amuleto amaldiçoado estaria fazendo neste castelo, e mais importante ainda, por que alguém como você tentaria roubá-lo?

- Energia jamais pode ser destruída... Alguém como você... nunca entenderia os princípios... Eu estava apenas... devolvendo-o ao seu legítimo dono. – e deu mais um sorriso fingido. Graaver perdeu a paciência. O prisioneiro chocou a cabeça na parede fria com violência enquanto seu agressor falava bem devagar.

- Você acha que isso é uma grande brincadeira, não é? Acha bonito o sangue de milhares de pessoas escorrendo pelo chão por causa de bruxaria? Pois é isso o que vai acontecer se esses demônios se espalharem outra vez na terra. A Era Vermelha irá retornar... E você está achando engraçado?

Hye sentiu a cólera do homem emanando por cada poro de seu rosto, por cada respiração que tentava parecer controlada. O prisioneiro sabia que por trás daquela fachada nobre, estava um barril de pólvora prestes a explodir, e ainda assim o ladrão permanecia calmo.

- É incrível como o poder... parece tão glorioso visto pelo lado dos vitoriosos. Se você não fosse o escolhido para receber o Reino, saberia o que se passa... ugh... por trás dos muros que o deixam cego.

- O que quer dizer com isso?

- Ah sim, um herdeiro digno! Não é isso... o que o Imperador acha que escolheu? Ou será... que ele cometeu um erro, trazendo para dentro de sua Casa um impuro?!

- Mas quanto atrevimento! O que você está insinuando?!

- Porque não pergunta ao tirano a quem chama de pai? Talvez ele diga tudo o que pensa a respeito do seu nascimento...

Aquilo foi demais para a honra de um futuro príncipe.

- NÃO IREI TOLERAR ESTE DESRESPEITO EM MINHA PRESENÇA!

Graaver retirou a própria espada da bainha e desferiu um golpe em diagonal.

O corte sujou a parede de vermelho. E o réu tombou para o lado.

Então, todo aquele ódio liberado dirigiu o olhar do guerreiro para as vestes rasgadas do prisioneiro. Elas revelaram algo que encheu o rosto de Elyan de pavor e o fez recuar. A lâmina de sua espada chorou ao ser largada ao chão.

Pieter irrompeu pela porta alarmado.

- Lorde Graaver! O que foi esse baru... ? – não terminou a frase. Olhou para cena diante de si. Elyan ajoelhado ao chão, sua espada longe de seu alcance e o prisioneiro retalhado mais a frente.

- Lorde Graaver! – correu até o homem seguido por mais três soldados – Senhor?

Pieter colocou a mão no ombro de seu jovem senhor, que parecia muito atormentado. Com a cabeça quase encostando ao chão, murmurava coisas sem sentido.

- ......a marca... a marca.............. impossível....... só se fosse meu....... não! Eu... eu o matei...

- Mas o que o senhor está dizendo?? – perguntou Pieter sem entender nada. Olhou para os soldados que examinavam o corpo do réu.

- Está vivo. – disse um deles, com a mão no pescoço de Hye – Mas a perda de sangue logo irá matá-lo.

- Está... vivo? – Elyan levantou levemente a cabeça, ainda atordoado. Aos poucos se colocou de pé, apoiado pelo capitão.

- O que faremos com ele, senhor? – os soldados olharam para Pieter, que por sua vez olhou para o nobre, esperando uma resposta.

Ela não veio.

Fez, porém, um gesto. Tocou o ombro do militar, virando as costas e seguindo em direção à porta com o semblante tão torturado que até os soldados perceberam a mudança.

- Credo. Parece até que a alma dele saiu do corpo... – murmurou um deles.

- E então, capitão?

O capitão estava preocupado. Ver seu senhor sair do calabouço naquele estado abalou um pouco sua confiança. O deixou confuso por alguns segundos.

- Capitão Pieter?

Então o homem pareceu acordar.

- Cuidem das feridas do prisioneiro e coloquem-no na solitária, até que o Imperador Guorthigern decida seu destino. – ordenou.

Os três se dispuseram a trabalhar, desatando as correntes dos pulsos de Hye. Durante o processo, o moreno percebeu uma estranha marca na clavícula de seu cativo. Uma mancha escura de formato oval, ligeiramente familiar.

Seria aquilo a causa de tamanha inquietação?

Continua...


[1] Guorthigern significa Grande Lorde e Senhor dos Reis, um sobrenome que apenas os Imperadores carregam.
Giovana-chanGiovana-chan é uma garota cheia de manias, poucos amigos, e dona de uma mente insana. Fã incondicional de cinema, livros e games, prefere atividades que envolvam sofás bem acolchoados. Morre de vergonha de falar em público e odeia a idéia de ter que falar de si mesma na terceira pessoa.

6 comentários:

  1. Muito bom, ta ficando cada vez mais intrigante essa historia toda, huehuehue

    mas ta bom demais, no aguardo da continuação ^^

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  2. Bom background pra personagem de RPG, filho de nobres que descobre que é bastardo, sofre alterações na sua visão de mundo e vira um aventureiro que agora defende os oprimidos.

    :) Tá muito legal, esperando a próxima parte!

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  3. Hum... essas manchas de nascença sempre são interessantes! Gosto muito das suas descrições, Gi. São bem precisas, claras e ilustrativas. Quero ver Chloroform virar um livro!

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  4. @Clérigo: Faço minhas as suas palavras =)...

    @Gi: Esta cada vez melhor esse conto. Estou até com vontade de liberar uns spoilers aqui pra galera =P...

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  5. @Clérigo: Obrigada, e eu tmb num vejo a hora de publicar ele "oficialmente". É uma pena q esse tipo de coisa tem uma burocracia danada, com um monte de chatices pra resolver... =(

    @Druida: Nem se atreva! XD

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  6. Publica o livro pelo Clube de Autores ^^

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