segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Crônicas da vida medieval: A honra do cavaleiro

No verão as estradas costumavam ser poeirentas. No inverno, porém, ficavam recobertas de lama, especialmente depois de chuvas, como a que caíra na última noite. Por sorte, Dante havia conseguido abrigo em um mosteiro que ficava a meio caminho de Santa Vitória, a cidade para a qual se dirigia levando uma mensagem de seu senhor.

Mosteiros eram um bom lugar para se passar a noite. Os clérigos sempre ofereciam uma tigela de ensopado de legumes, um pouco de pão e algo para se beber, além de palha onde se podia dormir. Dante havia deixado alguns dobrões de cobre em sinal de gratidão pela hospitalidade monástica.

A manhã veio fria, mas sem chuva. A estrada, contudo, ainda estava molhada e escorregadia, mas em alguns pontos a lama já se havia congelado, facilitando um pouco o andar do cavalo. Dante seguiu por um tempo no lombo do animal, até que a estrada enveredou para dentro de uma floresta, ainda muito úmida e escorregadia, obrigando-o a apear e conduzir a montaria cuidadosamente pelos arreios.

Mal tinha andado cem metros, quando ouviu barulhos estranhos um pouco mais a frente. A estrada fazia uma leve curva e, por precaução, Dante escondeu-se atrás de uma árvore para verificar o vozerio, trazendo seu cavalo para junto de si.

Cerca de doze metros além de onde estava, viu três homens vestidos em farrapos, carregando porretes e cercando um monge montando uma mula. Certamente eram foras-da-lei, vagabundos que se aproveitavam dos desavisados que cruzavam a mata.

O monge estava visivelmente em pânico. Muitos deles passavam a vida enclausurados nos monastérios, tendo pouquíssimo contato com o mundo exterior. Este, porém, parecia um monge viajante, do tipo que sai de cidade em cidade pregando sua fé. Dante supôs isso em virtude das roupas do clérigo, de cor marrom, enquanto que as dos monges enclausurados quase sempre eram negras.

Sem pensar muito, o cavaleiro trouxe seu cavalo de volta para a estrada, montou-o e desembainhou a espada o mais silenciosamente que pôde. Então coiceou o animal, fazendo-o disparar para frente.

A distância era curta, e os bandidos não tiveram muito tempo para reagir. O que estava de costas para Dante caiu após sofrer um tremendo um golpe que cortou suas costas de cima a baixo. Sendo impossível parar o cavalo, Dante investiu para cima de outro ladrão, atropelando-o em carga. O infeliz não teve como se desviar, mas tão logo caiu no chão se levantou e saiu correndo para dentro da mata.

Dante nunca ficou sabendo, mas os cascos de seu cavalo haviam atingido o torso do fora-da-lei, quebrando algumas costelas. Na pressa de se levantar e sair correndo, o desgraçado fez algum movimento brusco que levou uma das costelas quebradas a perfurar seu pulmão, morrendo sem ar alguns minutos depois.

O cavaleiro andou mais alguns metros, parou seu animal e virou-o, esperando agora dar de cara com o último fora-da-lei. Para sua surpresa, o maldito já havia fugido, e o clérigo estava caído no chão, ao lado da mula. Dante desmontou e aproximou-se dele rapidamente.

Uma faca estava fincada nas costas do sacerdote, que estava inconsciente. Dante viu que não seria um ferimento mortal, se o monge fosse tratado o quanto antes. Calculando as distâncias, o cavaleiro percebeu que podia voltar para o mosteiro e deixar o clérigo lá, mas teria que acelerar muito seu trote para chegar ainda hoje em Santa Vitória e entregar a mensagem de seu senhor, o Marquês de Porto Sul, ao Conde de Santa Vitória. A não ser que a chuva recomeçasse...

Sem hesitar, Dante colocou o sacerdote cuidadosamente sobre seu cavalo. Em seguida pegou as rédeas da mula e atou-as à sela do garanhão, montando-o então e seguindo rumo ao monastério, onde chegou por volta do meio dia.

Após deixar o sacerdote aos cuidados de seus correligionários, Dante novamente montou seu cavalo e retomou seu caminho para Santa Vitória, torcendo para que a chuva não recomeçasse. Seguiu novamente a estrada, passou pela floresta e continuou por cerca de um quilômetro e meio além dela... foi então que a chuva - gélida - recomeçou.

Se tivesse deixado o clérigo para morrer na floresta, já estaria bem próximo a Santa Vitória. Mas fez uma escolha, e isto o havia atrasado. Olhou para o céu e sentiu a chuva bater-lhe, dura, na face. Voltou os olhos para a estrada, que já estava se transformando novamente num verdadeiro lamaçal. Ficou triste, por saber que chegaria atrasado e não cumpriria seu dever. Sua honra estava em jogo: a única coisa que não poderia jamais perder.
o ClérigoSo long and thanks for all the fish!

8 comentários:

  1. Divertido!
    Bem legais esses contos, ja estou acompanhando.
    :)

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  2. Que legal, já temos dois personagens :D

    Quero ver a continuação!

    Falando nisso, aquele monge viajante é quem eu penso que é? Se é, ele escolheu viajar em um mal dia... /:

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  3. Muito bom o texto, Rafael. Estou com vontade de fazer algo parecido com Belregard, alguns contos pra ajudar com a ambientação.

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  4. Calma,Red, sua vontade será atendida, rsrsrs.

    Valeu, Cavaleiro, espero que a coisa fique legal.

    Então, Encaitar, ainda estou pensando nisso, mas acho que são a mesma pessoa, sim.

    Isso é legal, J Neves. Acho que não tem melhor maneira de criar um clima, do que escrever um bom conto sobre o cenário.

    Bom, galerinha do mal, semana que vem tem mais (espero).

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  5. Cavaleiros, meus personagens favorito! Heroicos, honrados... Uma das melhores classes para se jogar!

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  6. gostei do conto, e concordo com os colegas: contos curtos sao otimo para dar uma ambientação no cenario

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  7. Obrigado, caros peregrinos. Pra mim é mais fácil escrever contos curtos, do que ligar toda uma história num grande romance. Mas quem sabe esse mini contos não se transformam em algo legal mais pra frente?

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