terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Meditação: Sistema: Quando NÃO Usar?

 
Umas das características fundamentais do RPG é o fato de ele usar, uns mais outros menos, alguma forma de conjunto de regras, nem que fosse para como interpretar os tão habituais rolamentos de dados por aí. Outras iniciativas, no entanto, se dedicaram a tirar totalmente qualquer impressão de regras mecânicas de sistema. São os tão desconhecidos mas igualmente divertidos RPGs indie, em que a narrativa grupal é elevada à máxima potência e quase não há nada que lembre rolagens de dados ou regras matemáticas que costumamos encontrar nos RPGs mais típicos. Aliás, acho bastante curioso como os gêneros de RPG parece se dividir de acordo com aquilo que eles não têm em relação ao RPG básico (diceless, gmless, playerless, etc.).

Todavia, usar as regras de determinado sistema dentro dele mesmo é um processo logicamente simples, bem como não usar regras onde elas não são necessárias. Me lembro que assim que começaram a chegar as centenas de suplementos de GURPS no Brasil, alguns amigos meus começaram a fazer piadas, dizendo que os próximos lançamentos para o sistema seriam: "Gurps: Vou Atravessar a Rua" e "Gurps: Com Que Roupa Saio Hoje?", atividades normalmente não-mecânicas em pelo menos 99% dos RPGs existentes (imagino que escolher roupa seja importante em She Best Friend... E só).

Beleza. Mas, nos atendo apenas aos RPGs sistêmicos e com dadinhos. Quando não usá-los? Quando uma ação é digna (ou não) de ser decidida pelos dados? E o que as torna dignas deste enfoque? Sim, é sobre isso que meditaremos aqui.
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1. A Ação é Importante no Gênero Narrativo
Como exemplo bem leviano nesta diferença eu citaria as Perícias Políticas de L5R. Sim, temos Etiqueta e Corte funcionando basicamente como meios de fazer ações ativas e reativas nesse campo. O que assusta, porém, era a quantidade de Ênfases que essas duas perícias possuíam na 3ª edição. Tecnicamente, havia uma Ênfase para fazer intrigas, outra para espalhar boatos, outra para chantegar, intimidar, negociar, puxar assunto... Ufa! E isso tudo apenas em "Corte"! Em suma, basta dizer que todas essas ações mereceram moderada atenção por parte dos criadores do sistema para receberem mecânicas mais ou menos próprias. Em D&D, temos apenas Diplomacia, Blefar e Intimidar para corresponder a todos os pormenores diferenciados de L5R. Notem também que todas essas perícias possuem uso em combate, o que não acontece em L5R. A razão é naturalmente óbvia: D&D se destina muito mais ao combate, e algo que sirva totalmente a algo puramente interpretativo ou mais fora dessa esfera tende a ser muito mais simplificado ou desmerecido. Essa foi uma das principais reclamações quanto à adaptação de Rokugan para o sistema d20.

L5R é político. O que não quer dizer que
não existam pessoas se socando por aí.
Outros exemplos derivam ao infinito. Em grande parte, um sistema se dedica a enfatizar em um aspecto mais importante da narrativa. Talvez por isso o sistema de combate do antigo Storyteller seja horrendo, pois ele se dedicava originalmente a atender um público que já estava enjoado dos combates politicamente corretos e um tanto quanto infantis que D&D apresentava até então. O mesmo acontece com Call of Cthulhu e tantos outros RPGs mais "adultos".

2. A Ação é Irrelevante na Narrativa
Todo teste feito através de uma rolagem de dado, no mínimo estipula um resultado falho ou outro com sucesso. Considerando ainda a possibilidade de erros e acertos críticos ao longo dele. Se você, enquanto Mestre, pede uma rolagem ou um teste, é bom ter como continuar a história em cada um desses resultados. E saiba que eles no mínimo devem ter algum impacto na história. Se você pede que o mago do grupo de D&D role um dado para ver como ele faz um sabonete, e ele tira um 20, é bom ter um meio de tornar isso importante ao invés de dar a impressão de que isso foi um desperdício de acerto crítico. Da mesma forma, odeio quando Mestres pedem para que o personagem suba numa árvore para pegar um fruto, o jogador tira um erro crítico e se estabaca no chão, aos risos dos demais personagens. Sinceramente, seria miseramente importante o sucesso ou falha dessa questão? Fazer o personagem quebrar uma perna ou pegar o fruto ninjamente enquanto  aterrisa com a suavidade de uma pena fará alguma diferença na história?

Tudo bem, pode ser uma cena paralela, e ficar todo o tempo neuroticamente fixo ao cerne da história pode ser bem chato. No caso acima, ter alguém com uma perna quebrada pode ser um incômodo a mais (e desnecessário) para o grupo. Aliás, por que raios quando uma pessoa falha no teste de Escalar ela cai e se esborracha? Por que ela simplesmente não consegue subir na árvore e pronto? Nesses casos, acho que vale um raciocínio de razoabilidade. Seria razoável que um ranger ou druida pegasse o fruto (ou até mesmo o criasse com magia)? Seria razoável que o personagem ferreiro conseguisse consertar a armadura destruída do amigo? Se a resposta é por demais óbvia, acho que não faz sentido criar um teste para resolver isso.

3. E Quando não Usar Regra Nenhuma?
Me lembro de uma aventura de L5R. Em dada ocasião, um dos personagens do grupo veio a ser intensamente traído por uma NPC. Futuramente, ele conseguiu ficar a sós com ela, imobilizá-la e na hora de esfaquear a dita cuja, demorou ainda uns seis turnos de combate para conseguir matá-la. Por quê? Simples. O dano da faca usada por ele na ocasião mecanicamente tinha um dano escabrosamente baixo, e mesmo num sistema mortal como L5R, graças a uma rolagem meio ruim de dados, demorou um pouco. Ora, mas por que ele simplesmente não fincou a faca no pescoço, testa, olho (ou qualquer outro ponto vital) da traidora? Hoje, enxergo essa situação por outro prisma.

Todo os paradigmas do sistema de combate (Iniciativa, ataque, dano, CA, Esquiva, etc.) devem ser usados em combate. Ou seja, quando temos oponentes em combate típico. Um na frente do outro, lutando entre si na moral. No caso de oponentes realmente engalfinhados, acho que ainda poderíamos usar as mecânicas de agarrão, imobilização, etc., existentes nos mais diversos sistemas. No caso do personagem de L5R, bastava o Mestre dizer que ela morreu com uma facada letal e pronto. Creio que qualquer guerreiraço de D&D, por mais centenas de PV que tenha, não sobreviveria a ser trespassado por uma espada enquanto dorme (me lembra de um amigo meu, que na primeira campanha em Ravenloft tentou fazer isso com o Strahad. Deu até certo. Até essa parte...). Novamente, D&D odeia que personagens morram (e mesmo que morram, as mecânicas de ressurreição estão ali para isso), e as regras para golpe de misericórdia parecem visar cobrir essa lacuna.

Bom, é isso. Um uso mal colocado de determinada regra ou teste pode ser uma tremenda dor de cabeça para todo o grupo, incluindo o próprio Mestre. Assim, mais importante do que saber usar as regras propriamente ditas, é saber quando e como usá-las (ou não usá-las).

O uso consciente deste princípio é essencial para uma narrativa fluida, e que certamente há de conferir o drama e importância da decisão aleatória dos dados ao que realmente for importante, útil e divertido de se fazer. Como atacar orcs!

5 comentários:

  1. Agora lembrei de um mestre que mandou o personagem fazer teste pra escalar uma árvore; o personagem falhou três vezes seguidas, só foi atraso pro jogo >.<

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  2. Acho que testes devem ser usados somente quando o personagem está sob alguma pressão ou não tem muito tempo para realizar a tarefa e claro quando a tarefa realmente desafia suas capacidades.

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  3. gostei da postagem, em especial a figura do card (que achei muito engraçda) e a parte do ataque de faca.

    esse é um erro MUITO grande e infelizmente comum no d&d. se o cara sofre 1d6 por queda a cada tres metros, um pc poderia cair uns 60 metros e sobreviver, numa boa.
    o mestre deveria dizer: vc morreu.

    ja li varias coisas horriveis como "ah, dai ele recebeu 34 flechadas/facadas" e por ai vai. é ignorancia do pessoal

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  4. ótimo post Hayashi! Ao ler Rastro de Cthulhu comecei a mudar minha visão sobre alguns testes, visto que nesse sistema perícias investigativas não requerem rolagem de dados: basta que o personagem tenha pelo menos um ponto na habilidade, que o sucesso é garantido e automático.

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  5. Muito bom o texto Isawa, gostei muito. Principalmente a 3ª parte. Todo mestre tem que saber se adaptar e saber quando "deixar rolar" uma jogada, sem a necessidade de rolamentos ou ficar se atendo a livros.
    Por outro lado, achei que a situação por você descrita na segunda parte, sobre a falha no teste de escalada, acho que é válido deixar esses momentos no jogo. Através dessas cenas inuteis acabamos tendo histórias que aliviam a seriadade dada as vezes em excesso ao jogo, ou até mesmo marcado por uma mania ou tic.

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