terça-feira, 15 de março de 2011

Meditação: Resenha: Scion


Primeiramente, minhas mais sonoras desculpas por andar longe deste tão estimado blog há tanto tempo. Infelizmente, meus compromissos off-line têm consumido muito de meu tempo, além da falta de idéias de posts que sejam interessantes a O Clérigo também ser bem incômoda. Mas, espero poder estar de volta como filho pródigo a essa casa que tanto me orgulho de integrar.

Bom, esta resenha na verdade é produto da "Casa das Idéias" que é o Red Dragon. Ele deu uma passada no meu blog, se interessou por Scion, o RPG, e sugeriu que eu fizesse uma resenha para cá. Mas pensei por alguns segundos: "Mas o que Scion, um RPG do sistema storyteller pode interessar ao pessoal do O Clérigo?". Sim, o Dr. Nosferatu tem aberto reais rodovias para o WoD por aqui, mas, mesmo assim, Scion é um RPG ambientado numa época contemporânea. E não medieval como os assuntos daqui costumam ser. Enfim, a pergunta é: "Em que Scion pode interessar aos leitores do Clérigo?". Erh... Digamos que haja sim, respostas interessantes a esta pergunta.

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De início, Scion é um RPG mítico. O que não o distingue de muitos RPGs medievais da casa Wizards. Mas o que achei mais interessante logo de cara em Scion é que ele não constrói um panteão próprio como na maioria dos cenários medievais. E também não usa "apenas um panteão". Ele busca inspirações nos panteões das culturas mais influentes da nossa Antigüidade histórica. Isso mesmo. Deuses gregos, nórdicos, egípcios, japoneses, vodus e astecas ilustram o livro básico, tendo vários outras culturas representadas em suplementos, como os deuses chineses e celtas/irlandeses.

Capa do Scion: Hero, apresentando Eric Donner,
filho de Thor protagonista do conto de abertura.
Tá, e o que esse tal de "RPG mítico" tem de legal? Bom, vamos ao plot básico de Scion. No mundo de Scion (que apesar do sistema ser mais ou menos o mesmo, não é o WoD), os Titãs criaram o mundo, que era composto de matéria e energia num caos efervescente e ilógico. Os filhos dos Titãs, os Deuses, porém, viram futuro nessa criação e na humanidade, mas para que pudessem dirigi-la ao seu modo, e não ao dos seus pais, eles teriam que destroná-los. Após ferrenhas batalhas, os Deuses tiveram sucesso. Apesar de serem muito mais poderosos individualmente, os Titãs foram derrotados pelos seus sucessores no mundo antigo, os Deuses. Porém, após Thor ter matado um Titã e virem que isso causou o dilúvio no mundo inteiro, os Deuses concluíram que matar um Titã não era uma boa idéia. Assim, eles escolheram prender os Titãs no que acreditavam ser uma prisão eterna nos confins do Submundo (basicamente, o mundo dos mortos).

Assim, cada tribo de Deuses se dividiu, acolhendo para si um povo e moldando-os à sua imagem e semelhança. Essas "tribos" hoje são conhecidas como as grandes civilizações do mundo antigo não à toa, pois tiveram ajuda desses líderes sobre-humanos. Mas os Deuses também se preocuparam com esse super-desenvolvimento humano. Basicamente, os Deuses são seres presos pela Aura Fatídica, basicamente, regras que as supra-entidades tecelãs do Destino impõem a seres de tamanho poder. Resumidamente, eles agem e se parecem de acordo com as lendas que os humanos criam ao seu respeito. Assim, todos os Deuses viram que seria questão de tempo até que esses povos começassem a crescer a tal ponto de se enfrentarem. O que resultaria em lendas falando sobre conflitos nas esferas celestiais também. O que nenhum panteão queria. Assim, eles escolheram criar um acordo de se retirar totalmente da Terra, se refugiando totalmente no Mundo Superior. Só podendo descer à Terra para gerarem filhos, para cuidar de seus afazeres e interesses aqui embaixo. Esses são os Scions (tradução acochambrada para o Português: "Herdeiro". Na tradução que improvisei, virou "Heréu", forma arcaica desta palavra).

Tudo ia muito bem, todo mundo estava bem feliz, mas algo de muito ruim aconteceu. A prisão dos Titãs foi literalmente escancarada de dentro pra fora, liberando todos os Titãs que guardavam milênios de ira contra os Deuses. "Ah! Então o negócio é enfrentar os Titãs?". Se você é um Heréu, não. Provavelmente este seria o meio mais fácil de se perder um personagem no jogo. Os Deuses já são entidades de poder quase imensurável mesmo do ponto de vista sobre-humano de um Heréu. Um Titã estaria para um Deus como um Deus estaria para um mortal. O que pegou todo mundo desprevenido era que os Titãs também tinham espalhado seus filhos por aí. Criaturas monstruosas e destrutivas, conhecidas geralmente como crias de Titãs ("titanspawn"). Vampiros, trolls, górgonas, onis, sereias, bruxas, gigantes de gelo e fogo, goblins, anões maléficos e outros monstros míticos estão perambulando por aí, perdidos no mundo em que acabaram de acordar, ou no qual estiveram juntando força "por baixo do pano" durante todo este tempo. Essas crias de Titãs têm procurado incessantemente por outras fechaduras para a prisão no Submundo, e, agora sim, a missão dos Heréus é detê-las. A guerra entre Deuses e Titãs tem se limitado ao Mundo Superior, com os Deuses tendo moderada vantagem. Mas a libertação de mais Titãs pode virar essa mesa. E devolver o mundo ao caos primordial.

Muito legal, muito heróico. Soa pra caceta como Percy Jackson, mas, para agravar ainda mais as dores que o filme me causou por cada paulada na mitologia grega, Scion veio antes de Percy. Portanto, é Percy Jackson quem se parece com Scion.

Os livros já foram indicados a alguns ennies (melhor capa de 2009, para o Raganök, por exemplo). O conteúdo de todos é fenomenal, e o conto inicial de Scion: Hero (o livro básico), ao meu ver, é uma obra prima de formatação e editoração, além de apresentar um prelúdio excelente de um personagem, estabelece padrões ótimos para uma campanha introdutória de Scion. À medida que Eric tenta descobrir sobre sua origem, nós também vamos descobrindo o interior de todo um universo fantástico escondido "logo ali". O interior de todos os livros é preto e branco (menos alguns trechos do Scion: God). Como eu disse certa vez, não faço idéia do motivo das caveiras no fundo de página, mas mesmo assim, o visual é muito legal.

Após um conto "introdutório" de "apenas" 38 páginas, os primeiros dois capítulos visam dar uma pincelada geral do que é o cenário de Scion, falando dos panteões deste livro: Grego (Dodekatheon), Nórdico (Aesir), Egípcio (Pesedjet), Japonês (Amatsukami), Vodu (Loa) e Asteca (Atzlánti). Em seguida, começamos a entrar no inovador sistema de Scion, que usa Atributos Épicos paralelos aos Atributos Físicos, Mentais e Sociais e Habilidades, conhecidos de longa data do sistema ST. Depois, cada um dos tipos de "poderes" divinos dos Heréus é explicado em sua respectiva categoria. Virtudes, Truques, Atributos Épicos, Esferas, Feitiços, Dádivas e Legados todos são oriundos de uma só palavra: Ichor. Basicamente, sangue de Deus que os Heréus partilham. Mas, eles também são alimentados pela Lenda do Heréu. A Lenda é a fama que você tem pelas façanhas que você faz como em parte também é outorgada pelo seu pai (ou mãe) divino como recompensa pelas... Façanhas que você faz. Ou seja, quer crescer dentro do jogo? Então faça coisas maneiras. Esquive de balas, derrube um ogro com um só soco, agarre a garotinha na hora H, engane o vilão, decifre o quebra-cabeças da tumba do faraó... Ou coisas não tão espetaculares visualmente assim, como pintar o quadro que colocará o seu nome para sempre na História da Arte, ou convencer uma banca de doutores de um argumento que pode revolucionar os rumos da Ciência numa palestra. De qualquer forma, Heréus sempre estão acima do "reles mortal" que anda pelas ruas. Eles são heróis, eles têm poderes, encantos e... Como o RPG é da White Wolf, eles têm problemas.

"Quase acertei!"
"Quase não adianta, centauro tolo!"

Como se não fosse suficiente toda uma fauna e flora monstruosas perseguindo-os (80% das crias de Titãs ficam fenomenalmente mais fortes ao devorarem ou vencerem de alguma forma um Heréu. Ah, sim. Eles costumam farejar seu cheiro específico também), como diria o tio Ben: "Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades". Abusar demais da sua Lenda e fazer coisas que não deviam acontecer segundo o cruel juízo do Destino pode ter resultados graves. Basicamente, Destinos Selados podem ser abertos com pessoas, lugares ou outras criaturas ou objetos, tornando-os seu lar permanente ou temporariamente, seus inimigos, amigos fiéis ou até mesmo amantes. As próprias Virtudes de cada panteão também podem ser problemas para os Heréus. Mesmo que nem sequer saiba de sua real descendência, um filho dos Aesirs provavelmente seria o cara que jamais correria de uma luta, porque o sangue dos vikings pulsa em seu coração inspira-o à Coragem, por exemplo. Ah sim. Com a fuga dos Titãs, o Submundo ficou totalmente bagunçado. As almas dos mortos têm extrema dificuldade encontrar seus destinos, e alguns acabam voltando ao mundo dos vivos, por não terem mais para onde ir. Sim, isso complica ainda mais o panorama Heréus vs. crias de Titãs.

Scion possui um sistema de combate que pode desagradar alguns fãs da simplicidade do "Meu turno, eu ataco!". Mas também fornece diversas ferramentas bem básicas e customizáveis para questões mais fenomenalmente heróicas, como sair escalando no colosso de pedra usando os próprios golpes dele contra ele mesmo, e por fim, fincar a espada no olho dele. Sim, Kratos fez escola.

"Kratos querer um montão de Lenda por matar esse bicho
ou trucida o Narrador!"

Acima de tudo, Heréus são heróis (trocadilho besta, hein?). Eles salvam pessoas e lutam por causas justas. Eles defendem a natureza, os animais e vidas humanas, tentando manter o mundo tão belo quantos os Deuses o criraram. Tá bom, um ou outro vai pro "lado negro da Força", mas a idéia principal é essa.

Enquanto RPG, Scion reúne o mitológico do qual os RPGs medievais tanto bebem numa interessante roupagem contemporânea e urbana. Ninfas andam por aí nas baladas, vampiros podem espreitar nas sombra dos guetos, criminosos impiedosos fazem pactos com forças sinistras e o mundo está cheio de coisas que não deveriam ser vistas ou conhecidas pela mente humana normal. Se isso por algum acaso te faz lembrar de dois irmãos cujos nomes não serão citados que saem por aí num carango caçando criaturas sobrenaturais com sal grosso e esperteza, não ligue. É normal.

Sempre tive para mim que o melhor RPG em que essa mistura de "mágico + fantástico + mítico + contemporâneo urbano" fosse Changeling, mas em Scion os jogadores são colocados numa batalha onde ao menos há uma possibilidade de vitória. Dresden Files também usa essa combinação, mas lá os personagens dos jogadores seriam apenas humanos. Que sabem mais do que a maioria ou possuem algumas ferramentas a mais para combater o mal sobrenatural, mas é só. Se você quer sentar o coturno na porta e dar tiros de escopeta nos ogros, Scion é o seu RPG.

Sim, o combate em Scion é naturalmente inevitável. Afinal,espera-se que uma hora as crias de Titãs apareçam e pouco custo para que neste momento tenhamos socos e tiros voando para todos os lados. Mas, mesmo no aspecto combativo, os Atributos menos agressivos como Carisma e Manipulação continuam sendo violentamente úteis. O encanto irresistível de filhos de deusas do amor (como Bast ou Aphrodite) é irresistível mesmo à mais horrorosa monstruosidade. As sabedorias milenares de Toth ou Hephestus podem conceber recursos e planos muitos úteis para a guerra fora de batalha. Enfim, nenhum aspecto de uma real guerra mitológica moderna e secreta foi deixado para trás.

Siga o legado de seu pai divino. Enfrente e vença o mal que ameaça destruir ou corromper a criação. Salve o mundo... Crie a sua Lenda.

10 comentários:

  1. Não aguentei a ansiedade e acabei lendo sua resenha no bloguer mesmo hehehehe. Sempre que o Hayashi citava Scion eu ficava curioso, até que pedi a ele onde poderia conseguir o livro, ele me deu a dica e NUUUOOSSA eu pirei, ainda mais eu que adoro mitologia. Scion é um RPG muito bem elaborado e eu estou louco para jogar. Valeu Hayashi o/

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  2. Que jogo doido!

    É por essa semelhança com o Supernatural que achei mais legal ainda, fora que matar orcs e ogros no mundo real seria demais :D

    Hayashi retornou com estilo (e acho que ganhou alguns "pontos de Lenda" também) \o

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  3. Eu pretendia fazer um post na seção "Um dia vou jogar..." falando sobre Scion, mas acho que agora não vai mais ser preciso, rsrsrs.

    Valeu pelo post Hayashi, já estava com saudade de suas meditações! Mas aproveito para fazer uma pergunta: já ouvi alguns comentários de que Scion fica meio chato, por que todo mundo é tão forte que não há muito desafios à altura. A coisa é por aí mesmo, ou o comentário que li era meio apelão?

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Primeiramente, obrigado aos elogios de todos. É muito bom estar de volta, embora creio q isso aconteça mais raramente, já que agora tenho q me dividir entre um emprego de 6 h e uma faculdade à noite.

    Bom, qto ao sistema de Scion, ele pode parecer meio complicado mesmo em nível de poder "básico" (Hero). Isso pq temos aquela pilha de dados habitual do WoD, e rolando ela, contamos os sucessos. Daí, somamos os sucessos automáticos rendidos por Atributos Épicos, e de outras fontes de bônus diversos. Me parece algo meio chato de se pegar o jeito, mas, segundo ouvi, depois fica até fácil, e difícil de imaginar um combate sem os "clicks" de Scion.

    Em termos de desafio, Scion divide o mesmo defeito de Exalted. Sim, os antagonistas típicos de cada um fazem jus aos personagens dos jogadores em seus níveis de poder (ou seja, Scions apelões, crias de Titã apelonas). Mas, em relação aos "reles mortais" que perambulam pelas ruas, eles seriam mero asfalto para os Scions passarem por cima. Sério. Enganar um humano para um Scion especializado nisso é tarefa de criança. O mesmo para um Scion de combate vencer o mais mortal dos mortais.

    Estranhamente, alguns NPCs de apoio de Scion SÃO humanos mortais. Um deles, soldado mercenário inclusive. Segundo o livro, alguns humanos simplesmente se destacam da média da raça, e são considerados fenômenos aptos para figurarem ao lado dos filhos dos deuses.

    Bom, acho q é isso, e espero estar de volta o mais rápido possível.

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  6. nossa, muito doido!

    gostei da resenha e das gravuras

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  7. Cara, meus parabéns.
    Jogo Scion a uns 2 anos e posso dizer que apresentesses muito bem o jogo. Gostaria de ver uma resenha tua de Exalted (outro que acho fantastico).

    Acho que faltou tu comentar o nivel de poder estrondoso que um Scion possui (e os problemas que isso causa rs) e deixar mais claro o sistema de jogo para quem não conhece. Mas posso dizer que a tua resenha foi a melhor que li sobre o jogo.

    Meus parabéns!

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  8. Ah esqueci de comentar sobre os Stunts, que é algo que acho sensacional no jogo!

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  9. Comprei o livro nos EUA em 2006, o que me permite dizer que sou o dono do 1º Scion: Hero no Brasil, hoje tenho os 3 livros (Hero, Demigod e God) e os dois suplementos, o Companion e o Ragnarok.
    Assim como o Exalted, Scion é de longe meu RPG favorito e olhe que já joguei muita coisa nesses meus 24 anos de RPG.

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