sábado, 10 de setembro de 2011

Meditação: Diferentes Visões da Magia


Saudações, aventureiros internautas!

Estamos continuando com a semana temática da magia, e eu, como bom shugenja, não poderia ficar de fora nesta área na qual sou humildemente mais ou menos versado. Bom, creio haver gente qualificada de sobra para falar sobre as mais diversas aplicações da magia dos mais criativos e legais modos em nossas mesas de RPG. Contudo, vou tentar me ater a um ponto um pouco mais conceitual: Afinal de contas, o que é magia? E outra pergunta talvez ainda mais cabeluda: O que não é magia?

Como abordar todos os pontos de vista de TODOS os RPGs existentes requereria um volume próximo ao do Alcorão, me restringirei apenas às áreas em que mais conheço (ou menos desconheço).


Creio que inicialmente, todos nós concordamos que a explicação básica de magia seria: "Aquilo que não pode ser explicado de modo científico, racional e cotidiano". Tendemos a imaginar "magia" como algo contrário e excludente de "ciência", porque a magia é ilógica, possui regras próprias e muitos de seus fundamentos vem de superstições, lendas, crendices e outras coisas tão dogmáticas que simplesmente não toleram o escrutínio desvelador da bendita luz da razão lógica.


Algumas vertentes da própria "magia" recusariam veementemente este raciocínio, mas, no que tange o nosso interesse RPGístico, afirmo que uma das melhores explicações do conceito de "magia" que encontrei (seja em livros de RPG ou não), vem do Livro da Magia, de M&M (publicado este ano em Português pela Jambô). Inicialmente porque o livro admite que este é um assunto tão denso, complicado e rico que seria impossível abordá-lo dignamente em um volume humanamente viável. Assim, ele tenta bastante puxar para o lado (ou seriam lados?) que M&M melhor se destina: as histórias em quadrinhos de super-heróis. Nele, temos a explicação da importância da consciência e resistência do "ego" do mago no exercício de sua função, e visões bem interessantes de como tratar esta tão curiosa fonte de poder. Grifo meu também para um trecho do livro (em tradução livre a seguir), que explica porque nós, seres positivistas racionais, temos dificuldades hercúleas para entender magia:

Imagine tentar explicar a um alienígena telepata o que é "som", pressupondo que o alien seja completamente surdo, incapaz de sentir impulso auditivo ou vibrações. Você pode mostrar uma mãe, com o rosto tocado de preocupação com uma babá eletrônica. Ou, você pode mostrar um copo vibrando sobre uma fina mesa de madeira que segura um alto-falante. Ou, você poderia apresentar um clube, com pessoas imóveis começando a dançar.
Agora imagine que o alien lhe pergunta coisas do tipo: "Usando este 'som', você pode alterar a resposta emocional da mulher velha?" ou "Você pode fazer o copo se mover mais rápido?" ou "Você pode fazer os jovens terráqueos girarem mais vigorosamente?" Sem usar palavras como "vibração" ou "alto", suas respostas lembrariam algo do tipo: "Eu poderia ser capaz de alterar a resposta, mas dependeria de uma força externa que você não pode compreender." Ou: "Eu poderia fazer o copo se mover mais rápido, mas se eu sobrecarregar a fonte de movimento, poderia danificar o copo ou a mesa, ou o copo poderia parar inteiramente, ou me ferir". Ou: "Eu poderia intensificar o vigor, se eu recorrer ao poder deste iPod para invocar 'Love Shack' das B-52."
Assim é acessar o poder da magia e do místico: respostas sem explicações, explicações sem justificativas, justificativas que usam termos e nomes que simplesmente não se compreende.
Muita gente pensa que magia é algo ilógico mesmo. Se fizesse sentido, seria ciência. Bom, segundo a segunda lei de Arthur Clarke (cujas obras na ficção não são menos do que épicas): "Tecnologia suficientemente avançada não se diferencia em nada de magia.". Esse pressuposto é bem análogo à idéia de que "Magia é apenas ciência não-explicada.". Um exemplo hipotético disso seria tentar explicara para Isaac Newton como um celular funciona. Sim, ele teria plenas faculdades mentais até para construir um celular muito melhores do que eu, mas provavelmente riria de conceitos como satélites humanamente fabricados transmitindo ondas de energia pela órbita da Terra. Ele provavelmente aceitaria isso mais facilmente como "magia".

Bom, e o que outros RPGs diriam sobre magia? Já que me deram a dica de citar a visão de L5R a respeito, vamos lá: O ponto de vista dos estudos de Isawa (que influenciaram todas as outras escolas de magia de Rokugan), TUDO no Universo é constituído de quantidades e proporções diferentes de energias elementais, correspondente aos Cinco Anéis que dão título ao jogo (Terra, Ar, Fogo, Água e Vácuo), que no mundo físico, tomam a forma dos espíritos elementais. Ao se comunicar com os espíritos elementais ("kamis") de cada Anel, um shugenja poderia então configurá-los de acordo com o que sua vontade e criatividade puder conceber. Isso quer dizer basicamente que um shugenja configura os "bloquinhos de construção" da realidade como ele quiser. Mas, quando se acrescenta a noção de que os Anéis não abordam apenas seus princípios físicos, mas também psicológicos e metafísicos, o leque de possibilidades se expande muito além do que se imagina a priori. "Terra" (com "T") não é só mineral e metal, mas também a capacidade de resistência a ameaças externas, sejam venenos ou persuasões. "Fogo" não é só calor, brasas e labaredas, mas também o impulso vital de movimento e o milagre do intelecto. E por aí vai...


E nos cenários contemporâneos? Bom, tanto em Dresden Files  quanto em WitchCraft (considerado por alguns, "aquilo que Mago tentou ser e não conseguiu"), o principal adversário dos praticantes da magia é o simples ceticismo. As pessoas hoje em dia se recusam a cogitar seriamente a hipótese de magia ainda existente e usual, e algumas o fariam por mais absurda que soe qualquer outra explicação para determinado fato. O dresdenverso nos apresenta outra dificuldade, porém: Criaturas mágica de modo geral (o que inclui os magos) parecem perturbar aparelhos tecnológicos. Por isso é uma má idéia levar sonares, radares ou máquinas fotográficas digitais para uma mansão mal assombrada na esperança de registrar fantasmas. O mais provável é que nada funcione, pura e simplesmente. Ou talvez alguma dessas bugingangas resolva explodir, pegar fogo, o que pode complicar a vida do bairro inteiro (o próprio Harry Dresden se recusa a passar muito tempo perto de qualquer coisa produzida depois dos anos 40. Nem de lapiseiras ele parece gostar muito). Já em Mago: A Ascensão, temos o advento do Paradoxo. Resumidamente, uma reação em cadeia à qual se arrisca todo mago que abuse do "realisticamente aceitável" ao executar os efeitos de sua magia.

Mas no tão adorado D&D, a magia parece ter sido tão gigantescamente trabalhada que ela se torna capaz de... Tudo. De um jeito ou de outro, se você quer algo, a magia fornece um meio. Talvez longo, mas um meio mesmo assim. E também não parece haver problema que não possa ser resolvido com o canivete suíço de explicações para o impossível: magia. Ex.:

Aquele castelo está voando. Porque tem magia.
Esta espada dá mais dano. Porque tem magia.
A mulher parece mais bonita do que é de verdade. Porque tem magia.
Eu vi um carneiro cor de rosa. Porque usaram magia nele (não me perguntem pra quê).

"Cansei de usar magia pra isso... Quer fazer tricô mágico?"

A lista continuaria indefinidamente. Acho que a idéia era fornecer aos Mestres tudo aquilo que o sistema de magias do RPG pode oferecer. Mas caberia a ele censurar quais magias (caso haja) ele não quer em seu cenário/narrativa. Rokugan se vira muito bem sem magias de ressurreição. Criar Água em DarkSun seria um excelente meio de "estragar a brincadeira" e Detectar o Mal em Ravenloft seria quase suicídio.

Em suma, creio que algo que muitos Mestres/Narradores/autores de mundos RPGísticos deveriam pensar, é sobre o conceito de "magia" em seus mundos. A magia dos Reinos de Ferro funciona totalmente diferente do que em Forgotten Realms. Melhor ou pior é questão de gosto. É apenas um estilo diferente. Se ela é uma força intrínseca ao tecido da realidade; se ela é acessível a qualquer um, aos escolhidos por uma força superior (ou descendência), ou àqueles que se dispõem a estudá-la incansavelmente; se ela tem limites; se ela é explicável ou não por meios racionais que qualquer um entenderia... Essas questões todas e talvez muitas outras mais que este humilde autor veio a esquecer definem que tipo de "magia" (caso haja) seu mundo usa. Ou você pode bater isso num liquitificador e ver no que dá... Talvez alguns povos prefiram mekânica enquanto outros usam ainda a magia "hermética arcana".

Fato é que um cardápio imenso de opções de explicações diferentes para "O que é magia" está à nossa disposição hoje. E sempre há espaço para criarem mais. Então, mãos à obra.

3 comentários:

  1. O mais legal é desenvolver as respostas para estas perguntas dentro da própria aventura que se joga. Decerto, várias campanhas diferentes em um mesmo cenário poderiam descobrir diversas definições para o que é e o que não é magia. Mas as análises dos cenários foram muito boas, Hayashi, valeu!

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  2. Concordo com o Priest e digo mais, cada resposta leva a mais perguntas.

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  3. Realmente gostei da sua comparação... "Canivete suiço de explicações para o impossível"... e para o desnecessário também, eu diria.

    A magia é poderosa, sem dúvida, mas acho que o importante é ter coerência...

    Excelente post Hayashi...

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